1 - Sobre vozes dentro da cabeça

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Sabe quando dizem que as coisas verdadeiramente mágicas existem bem debaixo do nosso nariz? Bem, elas existem mesmo.

Sabe quando dizem que as coisas verdadeiramente mágicas existem bem debaixo do nosso nariz? Bem, elas existem mesmo

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Celestina Hypatia contava notas de dinheiro no caixa. De frente pra ela, a senhorinha antipática embalava um kit de velas aromáticas enquanto esperava o troco.

"A senhora teria 50 centavos para ajudar?" perguntou Celestina.

"Não, não teria" a senhorinha respondeu secamente, olhando a outra dos pés à cabeça como quem analisa uma barata voadora especialmente cascuda.

Celestina respirou fundo e continuou a contar as notas. Acrescentou mais um punhado de moedinhas e entregou o troco nas mãos da velhota mal humorada.

"Tenha um bom dia" disse para a velha, um sorriso forçado estampado no rosto.

A senhorinha dignou-se apenas a encará-la e saiu da loja arrastando os pés.

"Existem manhãs que definitivamente passam mais lentas do que outras..." murmurou Celestina, apoiando-se com os cotovelos no balcão.

Celestina tinha em torno de 25 anos, rosto redondo com um queixo curto e nariz de porquinho. Usava uma camisa de gola azul com o logotipo da loja e um crachá plástico pendurado ao pescoço. Os cabelos eram loiros, mas não daquele tipo platinado que vemos nas revistas. O tom de seu cabelo lembrava mais palha velha, era lanoso e cacheado, e no momento estava contido em um rabo de cavalo desgrenhado. Sua mãe nunca gostou do fato dela ter nascido loira.

"Não intimida ninguém" ela dizia.

Celestina correu os olhos pela loja empoeirada em busca de novos clientes que ela esperava do fundo do coração não encontrar, porque assim não precisaria ter de forçar um novo sorriso ou contar mais moedas.

A Zen de Tudo era uma enorme rede de franquia especializada em produtos esotéricos, varejo e atacado, que se orgulhava imensamente por vender qualquer amuleto, vela, pó mágico, incenso, erva ou quinquilharia que viesse a ter importância mística dentro de alguma crença, por menor que fosse. Também era o lugar certo caso você estivesse precisando de balinhas de gengibre ou sprays de garganta com sabor de morango.

Celestina?

O som interrompeu suas divagações e a jovem ergueu-se do balcão, assustada. A coluna ficou completamente reta. Levou a mão por instinto a um pingente que se escondia por dentro do uniforme de trabalho.

"Agora não, estou trabalhando" sussurrou com o canto da boca.

Mas é importante.

"Conversamos quando eu chegar em casa."

A vozinha em sua cabeça ficou calada por exatos três segundos antes de acrescentar, num tom ranzinza:

Você que sabe... Só não venha dizer depois que a culpa é minha.

Celestina revirou os olhos.

"Certo, o que foi dessa vez? Ícaro engoliu outra meia?"

A vozinha pareceu ofendida.

Aaaaah claro... Claro que eu iria interromper o seu trabalho por causa de uma besteira dessa! Você pensa que eu sou o que, uma alga? Olha, francamente...

Celestina escorregou por trás do balcão, ajoelhando no piso de cerâmica e tapando as orelhas com as duas mãos. Com sorte, os clientes não dariam falta da funcionária do caixa por alguns segundos, e com mais sorte ainda, seu supervisor também não.

"Tudo bem, tudo bem" ela tentava acalmar a vozinha entre sussurros. A dita cuja, porém, parecia empenhada em manter seu repertório de lamentações.

Porque é claro que a velha Tilda só pode estar querendo falar algo sem a menor importância...O que a velha Tilda sabe sobre a vida?

"Tilda, por favor, estou no trabalho..."

Uma meia. Até parece. Quantas meias ele já engoliu só nesse mês? Cinco?

"Me desculpe, Tilda. Agora me diga logo o que está acontecendo."

Não sei porque você me manda ficar de olho na casa, se não confia no que eu tenho a dizer.

"TILDA!" a garota apertou a cabeça com força, rangendo os dentes.

Ora, está bem! Não precisa gritar. Só achei que seria bom você saber.

"Saber o que?"

Você agendou alguma visita do técnico da tv a cabo?

"Tv a cabo? Do que você tá falando?"

Da visita do técnico da tv a cabo, ué. Porque se não agendou, acho que estão assaltando seu apartamento.

"O QUE??" Celestina caiu sentada de bunda no chão.

É, tem uns caras aqui.

É, tem uns caras aqui

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Todo mundo com os cintos afivelados? Foi dada a largada na história. :)

Espero que vocês se divirtam com Celestina e especialmente com essa pequena voz misteriosa que habita a mente dela. Sei que o capítulo é curtinho, mas prometo não demorar muito a postar. E no próximo capítulo: TILDA!

Para quem quiser conhecer mais um pouco das minhas loucuras, basta dar uma olhadinha em:

 http://bookwormscientist.com

Mamãe Vai Comer Meu FígadoWhere stories live. Discover now