10 - Sobre óculos escuros

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O despertador tocou por volta da meia-noite

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O despertador tocou por volta da meia-noite. Tocou, tocou e continuou tocando por mais alguns minutos. Celestina esfregava os olhos com dificuldade, tentando lembrar porque diabos colocara um alarme para um horário tão maldito. Ainda estava tudo escuro!

A realidade foi aos poucos retornando à sua mente:

"Ai, caramba" levantou-se de um salto, ainda trôpega, topando numa enorme massa peluda que descansava ao pé da cama. A massa peluda em questão deixou escapar um ganido sentido. 

"Ai, Ícaro, me perdoa!"

Assim que fechou a porta do box e girou o registro do chuveiro, quase morrendo com o choque da água fria em seu corpo, ouviu uma conhecida voz esgueirar-se pelos confins de sua mente.

Achei que você não ia acordar nunca.

"Não enche o saco, Tilda. Não estou tão atrasada assim."

É, mas eu queria te contar uma coisa.

Celestina apertou o tubo de shampoo na palma da mão.

"Vai, manda."

Acho que Horácio esqueceu que tem um pedaço de mim no bolso dele. E que eu posso escutar tudo o que ele fala.

A garota parou de esfregar a cabeça e ficou encarando o teto do banheiro, piscando. Mas nenhum sinal de Tilda.

"E então...?"

O que?

"O que foi que ele falou?"

Ah, seria antiético te contar. Só queria dizer que ele parece mesmo ser um cara legal, sabe?

"Mas ele falou sobre mim?"

Não posso contar. Sigilo profissional.

Celestina grunhiu com os dentes cerrados:

"E desde quando a senhorita dá a mínima pra ética?"

Nós plantas somos muito éticas. Já o mesmo não pode ser dito sobre vocês humanos comedores de vegetais da folha até a raiz. Imagine só, matar um ser que não pode nem fugir correndo. O quão justo pode ser isso?

A jovem bruxa fechou os olhos, sorrindo enquanto a água do chuveiro lavava-lhe o rosto. Lá vinha Tilda de novo com isso.

Em seu ponto de vista de planta ornamental, a samambaia achava um absurdo que vegetarianos comessem salada alegando que ali não havia sofrimento. Ora, ela sofreria bastante se fosse arrancada da terra úmida e colocada numa panela para cozinhar. Tilda dizia que era muito mais lógico comer um animal, porque ao menos o bicho tinha uma chance de escapar. Celestina achava graça do raciocínio da amiga: era uma linha de pensamento um tanto simplista. Tilda vivia citando a constituição americana e "aquele filme em que o Mel Gibson lidera um bando de homens com as caras pintadas de azul". 

Mamãe Vai Comer Meu FígadoOnde histórias criam vida. Descubra agora