3 - Sobre instintos maternos

404 67 89
                                    

Não haviam se passado nem quinze minutos desde a frase profética de Celestina quando a campainha tocou

Oops! This image does not follow our content guidelines. To continue publishing, please remove it or upload a different image.

Não haviam se passado nem quinze minutos desde a frase profética de Celestina quando a campainha tocou. O barulho de algo muito pesado e deselegante derrapando numa curva indicava que Ícaro já estava a postos na porta.

A jovem levantou-se de sua posição fetal ainda xingando. Arrastou-se até a entrada da casa, empurrou o pit bull para o lado e tentou ajeitar os cabelos esvoaçados. Estava com muita pena da criatura que estaria do outro lado daquela porta, fosse vendedor ou vizinho, porque ela estava bastante disposta a ceder uma amostra gratuita de seu mal humor.

"O que é?" vociferou, abrindo a porta num movimento súbito.

De frente pra ela estava uma mulher de meia idade, alta, cabelos muito pretos e lustrosos, com alguns fios grisalhos aqui e ali, usando um vestido vermelho totalmente inapropriado para aquela hora do dia. Seu rosto era redondo e ela tinha nariz de porquinho.

Epa...

Celestina fechou a porta com a mesma rapidez com que a abrira, produzindo um estrondo na madeira.

"Ora vamos" a voz da mulher era um misto de melodia e autoritarismo. "Não pode fechar a porta na cara da sua mãe."

A porta voltou a abrir alguns centímetros, revelando apenas a metade direita do rosto de Celestina.

"O que está fazendo aqui, mamãe?"

"Sei que está com problemas."

"Não, não estou."

"Então porque não está trabalhando?" disse a mãe, erguendo as sobrancelhas.

A jovem suspirou e abriu a porta, chegando para o lado para que a outra entrasse. O espaço resultante desse afastamento foi um convite irresistível para Ícaro, que prontamente pulou nas saias do vestido da visita, puxando fios e enchendo o tecido de saliva.

"Tire essa criatura maligna de cima de mim!"

"Ele só está brincando" falou Celestina, puxando o enorme cão pela coleira.

"Não sei porque não adotou um gato!" retrucou a outra, sem saber que este era justamente o motivo pelo qual Celestina não adotara um gato.

Para Artemisia Hypatia, que atendia como a senhora sua mãe, um gato era companhia muito mais proveitosa para uma bruxa em formação do que um cachorro. Gatos percebiam energias e podiam enxergar dos dois lados do mundo (a frente e o avesso), além de conferirem um ar de mistério com aqueles olhões vidrados. Não faziam muito barulho, não precisavam passear, adoravam lugares atulhados de livros e, mais importante, não babavam nas suas coisas.

Mas Celestina já tinha Tilda para enxergar auras e não estava nem um pouco interessada em saber o que se passava no lado avesso do mundo. Quando fora adotar um mascote na ONG e vira Ícaro deitadinho no meio da ninhada de bichanos, uma ideia perversa apoderou-se de sua mente. Sua mãe odiaria aquilo. Ela era totalmente contra ter um cachorro em casa... E assim Celestina não precisou de mais nenhum incentivo para tornar-se proprietária de um lindo bebê pit bull.

Mamãe Vai Comer Meu FígadoWhere stories live. Discover now