Água e sangue

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- O que vocês querem de mim?!
- Seu companheiro, ou seja lá o que ele for de você está atacando o nosso pai.
- E o que eu tenho haver com isso?! Seus retardados! - Eu estava possessa de raiva agora, eles me machucaram por algo que eu não fiz e nem sei o porquê. Chega de apanhar! Já apanhei demais!
Saio do buraco, não sinto minha pata.
Ótimo, a gente só se ferra, primeiro o ombro e a perna, agora as orelhas e a pata.
Eles não esperavam por isso, aliás nem eu esperava.
Pulei sobre um deles o desequilibrando e fazendo com que ele caísse, mordi seu pescoço, para matar, mas seu irmão mordeu minhas costas, senti seus dentes tocarem minha coluna. Viro rapidamente para ele mordendo e arranhando sua cara.
Sinto o outro arranhando meu ombro já cicatrizado, abrindo de novo a carne.
Escuto passos pesados, de algo correndo.
Finalmente!
No momento em que Tikani chega estou sobre um dos lobos tentando morder seu pescoço, ele tenta morder meu focinho mas desvio, com o seu irmão puxando a pele do meu ombro.
Ele logo pega um deles, o que está de pé e morde, em uma fração de segundos o lobo está correndo.
O que está embaixo de mim logo é puxado por ele e apanha, sai correndo com o rabo entre as pernas.
Fico deitada, minha respiração está desenfreada e meu coração bate tão forte que por um instante penso que vai explodir, não sei nem o que perguntar a ele.
Há sangue na minha testa, olhos e focinho, o sangue que escorreu das minhas orelhas que, se eu tiver sorte ficarei só com algumas cicatrizes.
- Eu... te disse para esperar. - Tikani falou, não parecia estar mais com raiva, está preocupado comigo. Perdi toda a minha vontade de brigar com ele ao ver um corte profundo em seu pescoço, um pedacinho de carne balança de um lado para o outro.
- Eu fiquei preocupada. Como me achou?
- O Corvo, ele me chamou, disse que estava sendo atacada por dois lobos.
Sua cara de preocupação me leva a pensar que minhas orelhas estão horríveis ou minha pata, não sei qual das duas está pior.
- Como ele fez esse corte no seu pescoço?
- Ele me fez cair sobre um galho, foi aí que eu percebi seu cheiro.
Dói só de pensar.
Estou com sede, muita sede e me sinto tão cansada.
- Nunca pensei em ver você brigando e ainda mais com dois lobos!
- Eu estava com raiva deles e estou com sede agora. - Minha pata é uma mistura de lama úmida e sangue.
- Vou ver se acho algum lago esperem.
Meu conhecido pássaro de penas escuras como a noite, levanto vôo.
Tikani continua de pé e pela sua cara parece estar arrependido, preocupado
e com um pouco de raiva do lobo ou de si mesmo.
- Eu não deveria ter deixado você sozinha.- Sua voz ao dizer isso é baixa e rouca. Ele sempre se desculpa primeiro, é uma coisa boa, não é?
Ah, pelos ancestrais no que eu estou pensando, deve ser a falta de sangue.
- Concordo, mas eu corri atrás de você porque estava preocupada e porque fui teimosa.
- Não precisa se preocupar comigo.
- Claro que eu preciso me preocupar com você! - Grito sem pensar, minha voz ecoou por toda a floresta.
- Precisa é? - Sua cara de uma hora para outra muda de preocupação à alegria e sei lá o quê. Não consigo decifrar essa sua nova expressão.
- Preciso, porque você é um completo
sem noção!
Ele apenas ri um pouco da minha reação exagerada.
- Tem um lago aqui perto. - O Corvo fala pousando sobre uma pedra.
- Consegue se levantar?
- Eu acho que está bem óbvio, que não.
Tikani põe o focinho em minha barriga e ajuda a me erguer, ficando do meu lado para que eu possa me apoiar.
Depois de andar lentamente por toda a floresta, avistamos o lago, sua água é
cristalina e calma, com pequenas ondinhas molhando as pedras brancas de sua margem.
Me deito em uma parte dele onde à água não me cobre completamente, bebo esse líquido precioso molhando minhas narinas e me fazendo espirrar.
Agora posso me limpar.
Ele se senta ao meu lado e também aproveita para limpar seus próprios cortes.
A lama se desprende de meus pelos junto com o meu sangue, finalmente posso ver as mordidas em minha pata, há oito furinhos causados pelas presas dos dois babacas.
Limpo as minhas orelhas com a outra pata, elas estão quentes e doloridas, ardem sob o toque da água, há furinhos nelas também e um corte que com certeza irá deixar uma cicatriz, na minha orelha esquerda. Meu ombro onde já havia uns pelinhos nascendo está com um corte.
Como não consigo limpar meu ombro sozinha, ele começa a lamber o ferimento delicadamente, não fico tão tensa dessa vez.
Meu estômago ronca, estou morrendo de fome.
Para a nossa sorte, o sangue dos ferimentos atraiu algumas trutas.
- Não as espante! Fique quieto e espere que elas venham até nós.
Falei antes que ele pudesse se levantar e espantá-las.
Em poucos minutos havia uma truta grande beliscando minha pata machucada.
A mordi, mas ela se debateu tanto em minha boca que a solto.
Tikani corre para pegá-la e consegue. O sangue dela escorre pelas escamas.
Me levanto com uma certa dificuldade
para me sentar na margem, ele faz menção de me ajudar.
- Não. Posso me levantar sozinha agora.
- Coma, vou pegar outra.
A truta não tem uma carne tão saborosa quanto um coelho, é leve e exangue.
Enquanto eu como, observo Tikani tentar pegar outra.
É impossível controlar o riso quando ele levanta o focinho molhado com água escorrendo pelos dentes.
Ele olha para mim com as orelhas rentes a cabeça, sei que está brincando.
Depois de mais três tentativas ele abocanha uma e retorna à margem.
Acho graça de como ele anda com o peixe na boca, parece um filhote com um graveto.
- Qual é a graça? - Ele me pergunta ao soltar o peixe no chão e se deitar.
- Nada não. - Falo soltando um risinho.
Ele apenas bufa e tenta comer o peixe.
O Corvo carrega o resto do meu para o topo de uma árvore.
Quanto tempo mais irá levar para chegar a toca de minha mãe?
Talvez seria melhor não ir para lá.
Se para chegar lá demorar mais de dois dias eu desisto.
Como ela vai reagir ao me ver assim?
Toda machucada e ainda mais acompanhada?
Prefiro não pensar sobre isso.
Daqui à pouco o Sol estará se pondo.
Precisamos voltar para a floresta, porque passar à noite nessas pedras, não será nem um pouco confortável.
Ele ainda comia o peixe. Por que ele come tão devagar?
Não consigo disfarçar minha cara de irritada.
Ele apenas olha para mim como se nada estivesse acontecendo, reviro os olhos.
Como ainda estou sentada, é bem mais fácil de levantar, usando minhas três patas boas.
- Aonde vai?
- Me deitar em um lugar confortável, não, não precisa se levantar, eu vou sozinha.
Me deito na grama verdinha da primavera, meus pelos ainda estão levemente molhados, adormeço com a brisa que tem um leve cheiro de pólen.


Oiii, me digam o que acharam desse capítulo 😀😀😀 já tem 808 visualizações vocês não sabem o quanto eu estou feliz. Desculpa se tiver algum errinho. 😙😙😙

RakshaOnde histórias criam vida. Descubra agora