Águas

1.2K 183 30
                                    

Olho sem reação para o sangue seco, misturado com poeira e minúsculos galhos caídos dos pinheiros.

A pele ardendo por estar exposta.
A sensação é de que esfreguei minha cabeça em brasas e deixei a pele queimando.

O que acabou de acontecer?

Minhas patas tremem e as garras arranham o solo.

- Pode começar a sua explicação. - falo ao Corvo, interrompendo sua análise demorada do meu rosto, olhando supostamente para as marcas que restaram. - Você disse que isso já aconteceu antes, não foi?

- Sim. - sua resposta tem um tom calmo, ele parece estar escolhendo as palavras. - As outras vezes, foram nas primeiras noites em que você estava sozinha, chamei aqueles ancestrais para espantar os lobos que tentavam se aproximar e funcionou muito bem.

Digeri a informação rapidamente e tentei espantar o choque, para perguntar outra coisa.

- Que tipo de ancestrais eles são? Por que disseram que eu poderia chamá-los novamente? - as palavras escapam mais rápido do que eu imaginava. - Como eu posso fazer isso?

- Eles são antigos guerreiros da primeira alcateia de lobos sem Lua. - o Corvo responde remexendo a terra manchada de sangue com suas garras afiadas e escuras. - E aceitaram meu chamado depois que lhes contei quem você era.

- Não sou alguém importante, sabe disso... - o respondo.

- Pensei que tinha lhe dito, mais de uma vez, que você é especial.

- Então por que não me diz o porquê disso?

- Resolvi deixar isso para Sune, enfim, você quer saber mais sobre os ancestrais? - o Corvo encerra minhas perguntas rapidamente. - Se não, podemos ir nos encontrar logo com as lobas, se bem que Suindara já voou para chamá-las.

Ele olha pensativo para o caminho que fiz durante a corrida - arbustos com as folhas bagunçadas e um resto de grama lutando para sobreviver completamente pisoteado.

Vai demorar muito até vermos Sune novamente! Por que esse pássaro idiota não responde?!

Se acalme, consciência, embora eu concorde plenamente com você, só nos resta esperar até que esse momento chegue. Por mais que isso me deixe inquieta.

- Então pode ao menos me dizer como chamar eles? - pergunto e ignoro o comentário da minha consciência, esperando que ela se contente com a minha resposta.

- Quando estiver em perigo, pense neles, concentre toda as suas forças no pensamento que eles irão surgir em minutos. - Ele me encara de novo. - Além do mais, agora você está conectada a eles por seu sangue, isso vai tornar tudo mais fácil. Entendeu?

- Sim. - os sons de várias patas tocando o solo velozmente, me fazem virar a cabeça para trás e me deparo com o meu grupo, todas ofegantes e com olhos arregalados.

Talvez tenham escutado algo...

Dikeledi e Kaia na frente, mantendo a mesma formação de minutos antes, me encaram com uma mistura de curiosidade e alívio. A pupila no olho violeta da alfa é semelhante a uma clareira vista de cima, cercada por sua íris colorida e viva como uma floresta.

Suindara, chega logo em seguida - acompanhada por todas as outras corujas.

- Graças aos ancestrais que você está bem! - a alfa é a primeira a me dizer algo e observo Tepi um pouco mais atrás dela, olhar alarmada para as marcas em minha cara e esse seu olhar parece se multiplicar por entre as lobas.

Literalmente, "graças aos ancestrais."

- Ouvimos os rosnados de luta e outros sons peculiares... - Kaia fala com os olhos vidrados em minha face, os sons peculiares, devem ter sido supostamente os dos lobos que surgiram para me ajudar. - Mas que bom que nada aconteceu a você.

RakshaWhere stories live. Discover now