Minha Macaquinha

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Dois anos se passaram e novamente minha carreira estava crescendo. Eu era o novo queridinho de Hollywood e minha carreira não podia estar melhor. Eu estava trabalhando em um filme de ação ao lado de uma das grandes estrelas do cinema.
Minha filha havia decidido fazer aulas de canto, depois de assistir a alguma apresentação de uma cantora que a tocou de alguma forma. Ela estava se saindo muito bem de acordo com os professores, eu fiquei muito contente de ela ter herdado minha veia de artista.
Minha esposa, sim esposa nós nos casamos e foi uma das maiores notícias, algumas manchetes exibiam "A Morte do Lorde Libertino" com a foto de nós dois. Minha amada disse-me que aquele foi um dos dias mais felizes da vida dela. Me disse coisas tão bonitas naquele dia, que irei guardar somente para mim.
Nós passamos muito tempo juntos. No meu aniversário ela me fez uma festa surpresa, foi incrível rever todos os meus amigos do Brasil dentro da nossa nova casa. No aniversário dela nós fomos para Verona, ela era louca para conhecer o local onde se passa a história de Romeu e Julieta. Tenho guardado até hoje a foto de nós dois vestidos com as roupas típicas do casal.
Quanto a princesa da casa, ela ganhava sempre os melhores presentes, mas graças a mim ela aprendeu a amar a Disney e sempre exigia visitar os parques no seu aniversário. Eu e minha esposa sempre tomamos cuidado para não acostumar mal ela. Educar e corrigir uma criança que cresce com tantos luxos não é fácil, mas nós fomos excelentes.
Eu tive de dar a minha primeira bronca nela e minha esposa ria todas as vezes que lembrávamos dessa história. Foi terrível, minha filha fez um escanda-lo por causa de algum brinquedo no shopping e eu segurei ela com força pelo braço e lhe disse "Se você não calara a boca agora, quando chegarmos em casa você vai apanhar tanto, que nunca mais vai conseguir falar".
Fui muito radical? Fui, mas funcionou. Ela ficou com tanto medo que não falou mais nada durante todo o passeio e todo o percurso até a gente chegar em casa, e quando chegamos ela foi direto para o quarto, de castigo. Depois de eu contar a mãe dela o que havia acontecido e ela ter rido da minha cara me chamando de terrorista, ela foi conversar com a pequena. Eu não sei o que foi que ela falou, mas a menina veio me pedir desculpas pelo que fez.
Minha filha diz para mim até hoje que sente um pouco de medo de mim. Mesmo ela já sendo adulta hoje, sempre que eu a ameaço ela diz que sente um arrepio na espinha. Eu não sei se gerei um trauma nela, mas ela sempre me diz que isso foi bom e que quando tiver filhos vai criar eles da mesma forma, com muito amor e medo.
Essas foram algumas das nossas muitas lembranças felizes. Eu estava sendo chamado para fazer vários filmes de vários gêneros, estava ganhando destaque novamente. Minha filha fazia aula de tudo, canto, dança, piano, pintura. Um monte de aulas que ela me pediu para fazer, no fim ela acabou desistindo de quase todas e ficando só com o canto. E minha esposa mesmo com os tratamentos, resistiu durante dois anos, até que...

Não é fácil entender como funciona a cabeça das crianças. Durante todo o tempo em que o estado da minha mulher esteve piorando, nossa filha não demonstrou um pingo de preocupação ou tristeza. Ela começou a passar muito mais tempo sozinha com a mãe do que comigo, mas continuou sempre sorridente, sendo a verdadeira alegria para a casa.
Eu imaginava que seria devastador para ela quando lhe dei a notícia da morte de sua mãe. Eu abracei ela com a intenção de tentar consolar ela, mas fui que acabei sendo consolado. Ela afagou meus cabelos dizendo que iria ficar tudo bem e que nós tínhamos que ser fortes pela mamãe. Foi desse jeito quando dei a notícia, mas foi completamente diferente no velório.
Os velórios nos filmes são de noite, geralmente com uma tempestade, que castiga os desamparados junto de uma chuva pesada e cortante, e com trovões rugindo nos céus. Aquele dia para qualquer um foi ensolarado, mas para mim foi nublado, e havia uma tempestade sim. A tempestade era minha filha, que fez suas lágrimas choverem, e trovejou seus berros de dor.
Eu achei que eu estaria preparado para aquilo, mas... Todos que já passaram por isso devem saber como é. Olhar para a pessoa amada, se lembrar de cada um dos momentos que passaram juntos, e depois pensar que não terão novos... É uma dor indescritível e ela não passa, no futuro você pensa em tudo o que passou sem essa pessoa, e continua a doer.
Esse dia foi um pouco traumático para minha filha. No início ela não conseguia mais dormir tranquilamente. Acordava quase todas as noites me gritando de seu quarto. Eu sempre perguntava o que havia acontecido, mas ela só falava que eram pesadelos, mas não me dizia sobre o que eram.
Alguns dias se passaram e os pesadelos continuaram, e todas as noites eu acordava e ia até o quarto dela lhe fazer companhia até dormir. Foi assim por uma semana inteira, até que houve um dia de gravação muito puxado. Muitas cenas de ação seguidas, gravadas de noite ainda. Eu estava exausto quando cheguei em casa.
Nesse dia ela chamou e eu não ouvi. Ela chorou gritou e se debateu na cama dentro do quarto, mas eu estava destruído das repetidas noites mal dormidas. Eu acabei acordando no susto de madrugada, alguma coisa me acordou, e eu sabia de alguma forma que eu tinha que ir para o quarto da minha filha.
Corri direto para lá e a encontrei aos prantos, com os olhos vermelhos e o rosto inchado de tanto chorar. Foi horrível ver ela naquele estado, tremendo e em pânico. Eu não conseguia fazer ela se acalmar de forma alguma. Ela se agarrava a mim, como se fosse a única forma de ela sobreviver e ficava balbuciando palavras que eu não entendia.
Eu não sabia como deixar aquela menina tranquila de novo. Eu a deixei chorar por alguns minutos no meu colo, enquanto andava com ela pelo quarto. Eu olhava para todos os pelúcias que ela tinha ali e vi um macaquinho do filme Tarzan.
Ela amava os filmes da Disney, como qualquer um eu acho. Tarzan era o seu favorito e eu acabava assistindo ele todos os dias com ela, mas desde o velório ela não assistia mais aos filmes, mas de tanto assistir eu acabei me lembrando de uma canção:

"Não tenha medo, pare de chorar
Me dê a mão, venha cá
Vou protege-la de todo mal
Não há razão pra chorar

No seu olhar, eu posso ver
A força pra lutar e pra vencer
O amor nos une, para sempre
Não há razão pra chorar..."

Deu certo. Enquanto eu cantava ela foi se lembrando de onde era a música e foi ficando quieta. Quando eu terminei de cantar ela me pediu para cantar de novo, e eu prometi que cantaria somente se ela me contasse o que eram seus pesadelos.
Os pesadelos eram com a morte da mãe, mas havia um motivo para ela querer esconder eles. A mãe dela havia lhe dito que apesar de eu parecer muito durão, sou alguém que ama com muita força as pessoas, e que não seria fácil para mim. Disse que quando ela partisse alguém precisaria cuidar de mim, e era isso que minha filha esteve fazendo.
Ela sempre me pareceu muito calma e sorridente, mas no tempo em que estava sozinha com a mãe ela chorava. Minha filha escondeu isso de mim, porque ela queria me mostrar que ela era forte. Ela estava cuidando de mim e eu nem ao menos sabia.
Depois daquilo os pesadelos começaram a diminuir e minha filha voltava aos poucos a ser mais alegre. Ela passou a andar pela casa imitando o Tarzan e foi assim que eu comecei a chamar ela de Minha Macaquinha.

Os Três DesejosWhere stories live. Discover now