Capítulo 32 (revisado)

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                                                                                      DARYL 


Foi repentino. Uma reviravolta em minha vida. Em um dia Maria era a melhor coisa que já me havia acontecido, no outro, ela se foi.

Estava zonza, correr a deixava sem fôlego, exausta, a pressão a matou, pois foi a pressão que a fez cair. Cair nos braços do morto, e consequentemente, da morte.

Quando vi a mancha de sangue desbotar de sua blusa, sabia que era o fim, o dela, o nosso e o meu. Para alguém aparentemente sem coração, estava me sentindo emotivo demais. Não chorei ao colocá-la na maca improvisada e ver seu corpo partir rio abaixo, meu corpo se calava diante a dor. Prometi a ela que não a enterraria, seu espírito era livre demais para ruir debaixo da terra, merecia navegar nas ondas de um rio até que encontrasse o seu caminho. Foi escolha dela. Ela amava a água e parecia feliz em terminar ali.

Maria com suas reflexões profundas que me deixavam irritado, depois me faziam pensar, questionar, não aceitar. Maria impressionou a minha vida. Uma experiência assim muda o jogo. Muda a gente. 

Ozônio toca meu ombro, já vai amanhecer, seu toque é frio e insensível, me faz acordar de meus próprios pensamentos.

-É melhor você entrar- diz ele acenando com a cabeça para o velho barco de pesca.

Com um golpe cruel afasto as mãos dele de mim.

-Daryl, eu sei que você... que ela... que vocês...- mas a verdade é que ele não sabe o que dizer. 

-Cale a porra da boca- ordeno, o que menos quero agora é ouvir a voz do culpado pela morte de Maria.

Ele se afasta e entra na cabine, ouço o barulho das escadas de acesso ao compartimento inferior e de repente estou sozinho de novo. Sem Maria para me interromper.

De joelhos, continuo vendo seu corpo descer pelo rio. Acima de nós, a ponte, quase invisível vista de baixo, coberta pela mata. A mata sombria e perigosa que levou Maria.

Sento no chão, ainda chove, a luz é um borrão agora, tentando abrir espaço por entre as nuvens.

-É aniversário dela- digo em voz alta para mim mesmo.

Olho para o lado, para a mochila aberta de onde caem minhas velhas tralhas, no fundo dela posso enxergar o presente que havia guardado para ela.

Um pote de cerejas em calda, nada mais que isso, estava sujo e riscado por fora. Eu quase podia ver o sorriso aberto tão espontâneo quando recebesse esse presente, ficaria tão feliz. Ela amava cerejas. E eu amava vê-la sorrir, porque isso era raro.

Havia encontrado aquilo no dia depois que chegamos ao acampamento, na busca que havíamos feito a procura de mantimentos. Lembro do sorriso dela, lembro de ter a visto recuar para trás de mim sempre que ouvia um barulho. E depois a vi mudar e tornar-se a pessoa mais corajosa que já conheci. E em tão poucos dias. Acima de tudo, era boa, e sua bondade é o que salvava o mundo do caos completo.

Agora nada disso é real.

Pois ela já não está mais aqui.

Seu corpo, esse já não vejo mais, seguiu o rumo para o qual deveria seguir.

Sozinho, abro o pote de cerejas e deixo a chuva cair dentro dele. Sofrendo, pego algumas com meus próprios dedos e coloco na boca.
Chorando, jogo fora o pote e com ele todas as cerejas. Todas as lembranças de que um dia, minha Maria havia sido real.

Com a chuva cobrindo meu corpo foi que me dei conta de que não havia contado a ela a verdade sobre quem era. E agora era, infelizmente, era tarde demais para nós dois. Ela jamais saberia de uma história incrível na qual ela, que amava personagens, era a heroína. A pior parte é que aquilo não parecia ser o fim.


DIXON - No Fim Do Mundo Where stories live. Discover now