Setor Oito

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— Seria irônico dizer que eu queria ter uma vida igual à sua, né? — disse Délia enquanto apontava uma lanterna para os olhos de Charles para checar o tempo de resposta de suas pupilas. — Eu estou no mesmo barco que você.

Charles estava sentado com as costas inclinadas para trás. Suas costelas saltavam por baixo da pele, indicando o quanto ele havia perdido peso enquanto estava sob domínio da ASMEC. Ramificações negras brotavam dos ouvidos e cobriam as cavidades evidenciadas pelas clavículas também protuberantes, estendendo-se por todo o corpo. O pouco cabelo que tinha começou a ficar escasso. Somente alguns fios ainda resistiam aos efeitos desastrosos do vírus. Sua respiração estava fraca, mas ele ainda lutava para permanecer vivo.

Délia se aproximou de sua cobaia e o despiu por completo, retirando a fina calça azulada que cobria as suas partes íntimas e pernas. Ele chegou a mexer as mãos por um momento para tentar impedir a doutora, mas não teve forças suficientes para fazê-la parar.

Em um painel ao lado da cadeira, Délia ativou os controles para o início de mais um dia de experimentos. Precisava que Charles estivesse deitado em quarentena durante todo o processo. Um som quase inaudível foi emitido enquanto a cadeira transformava-se em uma cama, semelhante à uma maca hospitalar.

— Quase pronto! — ela disse animada.

Pressionando mais alguns botões, Délia fez uma caixa de vidro descer do teto e cobrir Charles, isolando-o por completo. As paredes da caixa estendiam-se até uma forte luz branca, emitida a partir de um aparato metálico multifuncional cheio de ferramentas.

Procedimento de quarentena individual concluído.

— Jura? Se você não tivesse falado, eu não saberia, Nasha — Délia disse com ar de deboche.

A doutora introduziu as mãos em aberturas especiais para manipular as ferramentas da caixa de vidro durante o experimento sem ter contato direto com qualquer tecido orgânico de sua cobaia. A substância gelatinosa e fria que encontrou ao posicionar as mãos corretamente causou-lhe um arrepio momentâneo.

— Nós somos grandes vencedores, você e eu. Hoje completam exatas — Délia fez uma pausa e olhou para um calendário exposto na parede branca de seu laboratório. — oito semanas. Isso mesmo. Oito semanas que nós estamos sobrevivendo. Eu não vou deixar você ter a mesma sorte que aqueles dois ali — continuou Délia em seu monólogo, apontando com o queixo para duas unidades de contenção dispostas no fundo do laboratório.

Dois corpos jaziam nessas unidades, que se encontravam lacradas. Seus corpos estavam tomados por veias negras. Nenhum deles apresentava qualquer sinal de vida. Nem de pós-vida.

— Dé... Délia? — Charles balbuciou.

Ela não podia ouvi-lo enquanto ele estava dentro da caixa de vidro.

— Nossa, quer dizer então que o gato não comeu sua língua. Ou melhor, ela ainda não apodreceu o suficiente para você parar de pedir ajuda. Eu não te escuto aqui fora, garoto.

— Me ajud...

Charles não teve oportunidade de terminar de proferir seu pedido de ajuda. A droga indutora de sono ministrada por Délia através da mão mecânica que controlava pelas aberturas gelatinosas começou a fazer efeito.

— Bom garoto — disse Délia, observando os olhos de Charles se tornarem mais pesados até ele cair em sono profundo.

Um alarme agudo tocou por três segundos ininterruptos.

— Droga, como o tempo aqui embaixo passa rápido — disse Délia, ao se levantar limpando as duas mãos na barra do jaleco que vestia.

Parte da substância gelatinosa ainda permaneceu entre seus dedos. Levando uma das mãos ao rosto, ela constatou que a substância não apresentava cheiro algum.

LIVRO III - A Ordem do CaosOnde as histórias ganham vida. Descobre agora