Terror no Setor 4

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Pobre Cassandra.

As mãos do morto-vivo que atravessaram suas costelas a tocaram por dentro sem pudor algum. Seu assassino agia como uma criança procurando o maior bombom em uma caixa de chocolates.

Ambos os intestinos de Cassandra não demoraram a se romper e foram ao chão, ficando presos ao corpo somente por um pequeno filete em cuja superfície escorregavam resquícios de bolo digestivo ainda em processo de digestão.

Mas ao contrário da criança à procura do chocolate, o morto-vivo que trucidou Cassandra não parecia se satisfazer com parte alguma. Por vezes ele levou a boca à suas entranhas e retirou um pedaço, mastigando-o e engolindo depressa. Ainda assim ele continuava a remexê-la. Os braços de Cassandra se movimentavam de leve, mas ela já não controlava tais movimentos, que eram meros resultados de impulsos elétricos se propagando pelo seu corpo sem vida.

Thomas queria desviar os olhos da grotesca cena, mas a lanterna de Délia fez questão de iluminar em holofote o corpo de Cassandra sendo devorado pelo morto-vivo. Morto-vivo este que devia ter dois metros de altura ou mais.

Era impossível estimar a sua idade a um primeiro olhar, já que suas feições faciais estavam cobertas por bolhas e manchas negras. Um de seus olhos não tinha coloração alguma, era opaco. Sem vida. O outro trazia uma superfície esverdeada ramificada por veias escuras.

Ele não tinha um pelo sequer no corpo, nem mesmo perto de sua genitália. Ele estava completamente nu dentro do container e assim permaneceu após sua saída. Tanto os dedos das mãos como dos pés pareciam estar feridos e purulentos.

Délia não o iluminou de propósito. Não mesmo.

Ela não tinha intenção alguma de assistir ao momento de tortura doentio que estava sendo executado em sua frente. Mas ela não conseguiu movimentar a lanterna em outra direção. Diante do pavor, ela não conseguiu enviar uma simples instrução para seu corpo como "movimente-se", "corra".

Délia estava paralisada.

A fatalidade que ocorria lhe trouxe uma explosão de pensamentos inóspitos que estavam guardados em uma caixa trancada a sete chaves.

Por um breve momento, esse pensamento se materializou em seu maior receio: ela viu o rosto do morto-vivo se tornando o seu próprio rosto. Primeiro, os olhos surgiram. Em seguida a boca tomou a mesma forma que a sua. Até a peruca fez parte da ilusão que surgiu a alguns metros de onde ela estava. Era como se estivesse vendo seu reflexo através de um espelho. Um reflexo morto.

A Délia imaginária roçava a boca nas costas abertas de Cassandra, sentindo o cheiro do sangue fresco que estava espalhado por todos os lados, procurando o próximo pedaço de carne que faria parte de sua refeição.

O reflexo nada mais era do que o seu maior pesadelo tomando vida enquanto ela estava acordada.

Por muito tempo ela lutou. Lutou contra a infecção. Curou-se com a ampola cedida por George. Desenvolveu um soro retardante quando percebeu uma falha em sua criação. E mais uma vez, o fracasso e o terror lhe bateram a porta em um estilo mais que sangrento.

"Será que é só uma questão de tempo até eu me tornar como ele?" — ela pensou. "Não pode ser. Não pode ser".

— Doutora! Doutora! Precisamos correr! — gritou Thomas no pé de seu ouvido.

Os gritos consecutivos desfragmentaram a ilusão de Délia comendo Cassandra.

— Thomas, pegue o Charles e corra daqui! — Délia orientou.

Sem pestanejar, Thomas foi em direção à Charles. Com um leve movimento de mão, Thomas afastou pequenos cacos de vidro dos olhos do garoto indefeso. Ele ainda permanecia imóvel. A saliva escorria pela sua boca entreaberta e pingava diretamente no chão. Ele não conseguia manter seu pescoço ereto.

LIVRO III - A Ordem do CaosOnde as histórias ganham vida. Descobre agora