O Retorno da Irmandade Apocalíptica (parte 1)

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Leafarneo parou diante do espelho com a respiração pesada. Havia acabado de se livrar de mais um pesadelo envolvendo os eventos que aconteceram há um mês na cidade de Brasília. Desde a morte de Thabs e a propagação do vírus criado pela ASMEC, o mundo já não era mais o mesmo.

As manchas brancas do espelho que abrigava toda a sua estatura sem dificuldades não o impediam de ver as cicatrizes em sua pele. Em ambos os joelhos, ele trazia duas marcas que certamente jamais o deixariam. No rosto, a barba crescendo de forma irregular o deixava com dez anos a mais do que tinha.

A cama de casal atrás de si, cujo reflexo também aparecia no espelho de manchas brancas, estava vazia. Cris não a dividia com ele; na verdade nunca dividiu desde que eles pisaram nas instalações temporárias para as quais Eriberto os levou. Ele não sabia ao certo onde estavam, mas pelas três missões para busca de alimentos e remédios que fizera com a equipe do exército instalada ali, sabia que estava próximo da capital.

— Eu pensei que você não apareceria hoje — disse olhando para o espelho. A cama não mais estava vazia como outrora. — Quando isso vai acabar? — ele perguntou.

George, agora sentado na cama com os pés descalços e cruzados em borboleta deu de ombros.

Ele não estava desprovido de cabelo como no vídeo que Leafarneo jurava ter assistido momentos antes de Eriberto resgatá-los. O topete de George estava impecável e sua massa muscular não condizia de forma alguma com a figura magra do vídeo exibido — para Leafarneo — em Brasília há um mês. Ele também não tinha cicatrizes no rosto. Nada. Nada que pudesse evidenciar qualquer tipo de maus-tratos. Leafarneo o trazia em sua mente como o bom e velho George com quem compartilhava infinitas partidas de RPG online na época da faculdade.

— Eu não acho que posso responder à essa pergunta — disse ele com a voz calma. — Na verdade, eu acho que isso é o início de um novo tempo e cabe a você se acostumar com a nova realidade. Porque você continua me perguntando isso dia após dia?

— Eu só queria que tudo isso acabasse, só isso. Você nos trouxe o Soneto do Apocalipse, custava nos trazer também algo que fosse um pouco mais feliz do que o fim do mundo e a instauração de uma Nova Ordem?

George sorriu na cama.

— Queria eu ser portador de boas notícias, queria eu, meu amigo. Eu sinto a sua falta todos os dias, sabia?

Leafarneo deixou o espelho por um instante e se virou para cama.

— Eu também sinto a sua falta. Muito. — Seus olhos tornaram-se marejados. — Da próxima vez que você vier me ver pela manhã, dá pra trazer algo para eu comer?

— Hoje o senhor acordou mais exigente do que de costume. Respostas para perguntas que jamais terei, pedidos impossíveis que jamais realizarei...

— Não fale isso — Leafarneo o repreendeu.

— Isso o quê? — George retrucou.

— Isso. Essa palavra "jamais". Falando assim, parece que nunca mais vou te ver de verdade.

— Mas, Leafarneo...

— Mas nada, George. Eu vou encontrá-lo. E quando isso acontecer, vou cobrar pessoalmente o meu café da manhã todos os dias por pelo menos um mês. E pode se preparar para levar uns cascudos por aquele soneto tão sombrio.

George gargalhou alto na cama. O barulho da porta porém fez seu momento de sorriso desaparecer junto com sua imagem.

— Bom dia — Cris disse ao abrir a porta do quarto com uma bandeja em mãos. Ela lhe trazia uma maçã e um pedaço de pão caseiro ao lado de um copo de café preto sem açúcar.

LIVRO III - A Ordem do CaosOnde as histórias ganham vida. Descobre agora