Reencontros Improváveis

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Cris saiu da banheira e parou por um instante sobre o tapete para não sair respingando em todo o chão. O banheiro mantinha uma temperatura agradável, mas ainda assim, Cris sentiu seus pelos se eriçando após uma corrente de ar frio atingir a sua nuca. Com a ajuda das mãos, ela cobriu os seios enquanto manteve as pernas cruzadas para se aquecer.

Ela não fazia ideia de quanto tempo havia permanecido coberta por bolhas tentando afastar as terríveis eventualidades que marcaram a sua vida nas últimas oito semanas.

Não tardou para Cris enxergar um roupão de cor vinho dobrado sobre a pia. E não é que ele a vestiu perfeitamente? Parecia ter sido confeccionado para suas exatas medidas.

O espelho arredondado não refletia mais a sua imagem. Estava embaçado demais para isso. Ela passou o punho na parte central, revelando somente uma Cris ainda imperfeita, escondida sobre gotículas de água que ocultavam sua verdadeira face. Mesmo pelo espelho, seu olhar penetrante se fazia presente.

— O que você está fazendo aqui, sua teimosa? — disse ela com a voz grave, pigarreando em seguida. — Você não tem ideia de como vai sair viva daqui, não é mesmo?

Cris fez o sinal de negação com a cabeça.

— Você já foi mais esperta do que isso, senhorita Ane. Que nome ridículo esse que eles me arrumaram — ela sorriu, passando o punho mais uma vez para deixar sua interlocutora mais visível. — Charles não está bem. Ele não está nada bem. Será que valeu a pena inventar uma mentira somente para vê-lo uma última vez? Será que a minha jornada para tentar salvá-lo vai ter o mesmo fim da jornada de George e Felipe tentando salvar Póka?

Cris se aproximou do espelho. A Cris imperfeita não parecia ter uma resposta para essa reflexão.

Queria ter respostas para tudo. Queria ter inclusive uma fórmula para curar o seu coração partido após tantas perdas e incertezas. Estava devastada por dentro, mas mantinha uma casca firme e fortificada por todos os seus estilhaços sentimentais.

Cris respirou fundo e deu de ombros.

— Eu espero que o Leafarneo me perdoe algum dia. Por favor, peça o perdão dele antes de morrer. É o mínimo que você pode fazer após tê-lo convencido a embarcar nessa ideia suicida. — Cris fez uma breve pausa. — Por favor, me perdoe, Leafarneo — disse encarando seu reflexo enquanto uma gotícula de água se formou na frente do espelho e escorreu a partir da altura de seus olhos.

Mais um longo suspiro antes de voltar para a realidade que a aguardava lá fora.

A suíte que a ASMEC a designou tinha tudo para lhe proporcionar uma vida de princesa. Espessos edredons cobertos por uma capa sedosa e plumagem macia cobriam a cama em que ela podia rolar sem medo de cair. Na parte lateral do cômodo, uma porta com detalhes florais talhados em madeira lhe revelaram um conjunto infindável de opções de vestuário.

Cabide após cabide, Cris se deparou com um vestido que lhe chamou a atenção. O tecido de cor preta tinha parte do busto transparente, mas depois seguia em cor sólida até dois palmos acima do joelho. Ela não pensou duas vezes antes de retirá-lo do cabide. Vestir aquela peça não foi tão fácil como ela imaginara, já que seus braços não se esticaram o suficiente para que ela pudesse trazer o zíper posterior até o local em que ele deveria permanecer.

Ela não se importou com as costas seminuas. Encontraria alguém que pudesse ajudá-la fora daquele dormitório.

Uma última vez ela encarou seu reflexo no espelho. Com o novo vestido e sem o vapor oriundo do banho, o resultado ficou melhor do que o que ela imaginara a princípio. Cris completou o visual com um batom cujo tom lembrava o seu roupão e dois brincos discretos de cor dourada.

LIVRO III - A Ordem do CaosOnde as histórias ganham vida. Descobre agora