A arte milenar de arquear as sobrancelhas e sorrir

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Quem passa por mim no dia a dia, sem me conhecer, deve pensar que sou um cara estranho. Sou aquela pessoa que se limita aos bom dias e aos acenos de cabeça, adepto de pensamentos flutuantes e olhar distante, não faço por mal e na maioria das vezes, eu não queria ser assim.

Quando criança, segundo minha família e conhecidos, eu era um verdadeiro terror. Quando as pessoas se apercebiam da minha chegada, corriam para tirar de vista qualquer coisa que pudesse ser quebrada ou arremessada, eram algumas horas de pânico. Eu era aquele tipo de criança que foge dos pais no super mercado, que aborda estranhos na rua, que tranca a mãe fora de casa e tenta botar fogo nos colchões. Sim, eu tentei colocar fogo nos colchões.

E então, assim sem aviso, me tornei o cara estranho que não não fala muito. Na verdade, eu falo, falo pelos cotovelos, mas só de vez em quando e com pessoas com quem me sinto confortável para tal. O fato é, que a medida que crescemos, as pessoas param de ouvir o que você tem a dizer. Uma criança, falando sobre um filme que viu, com seus poucos dentes e língua enrolada, é interessante. Um cara de vinte e dois, não. Nem um pouco.

Galeano disse, certa vez, que "se as palavras não forem tão dignas quanto o silêncio, não devem ser ditas", mas aprender isso é um processo trabalhoso. Nós vamos falar muita besteira, vamos receber como resposta muitos sorrisos amarelos e alguns "que legal", seguidos de uma mudança de assunto, até que possamos aprender quais palavras devem ser ditas, e quais não.

É preciso aprender a dialogar com nós mesmos, ponderar com nossos próprios pensamentos, lutar contra necessidade desenfreada de desperdiçar palavras com que não quer ouvir, e só assim, aprenderemos a grandiosidade do silêncio. Um exercício rápido para manter as palavras dentro da boca? Arqueie as sobrancelhas e sorria. Explico:

Aquela pessoa "mala" está despejando piadas idiotas na sua frente e você não sabe se preferia ser atropelado por um ônibus ou mergulhado em um barril de óleo quente, e então surge aquela vontade louca de falar umas boas verdades para o infeliz. Calma. Respira. Arqueie as sobrancelhas, como se o que a pessoa estivesse falando fosse interessante, sorria e saia de cena. Repita o processo quantas vezes for necessário.

Simples, não é? Além de não ser rude (a não ser que a pessoa descubra sua técnica), evita uma infinidade de discussões sem sentido, conversas chatas recheadas de climão e desperdício de tempo com que não se importa.

Vamos aprender a ficar em silêncio?
Com carinho, do cara estranho.

Pontas SoltasWhere stories live. Discover now