1

8K 709 83
                                    

Nova York, Outubro de 2014

Abro os olhos em meio ao caos de sirenes e luzes, que se propagam por todos os lados. Minha visão está turva e meu cérebro não consegue discernir o que exatamente está acontecendo.

Tento extrair alguma informação do fundo da minha memória, mas não há nada. Minha cabeça dói absurdamente e pingos de chuva caem como tubos de gelo sobre meu rosto. Sinto meu corpo entorpecido pelo frio. De súbito e completamente espantada, começo a perceber a gravidade da situação. Abro a boca para pedir ajuda, mas as palavras simplesmente não saem. É como se eu estivesse presa dentro do meu próprio corpo. Uma onda de tremor toma conta de meus membros, e uma torrente vermelha e morna escorre ao meu redor, misturando-se com poças formadas pela chuva gelada. Não sei como ou quando fechei os olhos, mas sei que não consigo abri-los novamente; extrema exaustão e fraqueza me consomem. Sinto mãos me tocando, muitas mãos. Incapaz de me mexer ou articular um pensamento coerente, tento emergir das profundezas pelas quais estou sendo levada, mas, em poucos segundos, mergulho em um mar de completa escuridão.

***

— Você consegue me ouvir? — a voz é familiar, mas meus olhos não conseguem abrir.

— Alan? — chamo-o emitindo um som fraco e extremamente baixo, muito distinto de minha voz. Sinto sua mão quente sobre meu rosto.

— Sim, minha irmã. Estou aqui. Abra os olhos, por favor! — O desespero está presente em sua voz e, por alguns segundos, forço-me a abrir meus olhos, que estão extremamente pesados. Não há tanta claridade, mas sinto um forte ardor no mesmo instante em que consigo elevar as pálpebras.

— Graças a Deus! — Alan suspira com alívio enquanto me observa emocionado. Ele é meu irmão mais velho e acredito jamais tê-lo visto com uma expressão tão apavorada.

— Preciso... de água — peço observando seu sorriso, mas não posso deixar de me espantar com as lágrimas que descem sem cessar sobre seu rosto aliviado.

— O médico já está a caminho — informa, enxugando as lágrimas com o dorso da mão. — Você esteve em coma durante três intermináveis semanas —revela, e eu, incrédula, tento discernir o significado de suas palavras.

— O que houve?

Alan inspira o ar pesadamente e senta-se na cadeira ao meu lado. Ele segura minhas mãos e me observa nervosamente. A aflição se faz presente em seus belos olhos verdes.

— Você sofreu um grave acidente — esclarece e, de repente, imagens de chuva caindo sobre meu rosto, o carro de Alice, o grito das sirenes invadem meus pensamentos, e sou tomada por uma sensação muito ruim.

— Meu Deus... — sussurro. Minha mente tenta reviver aquele terrível dia, mas, quanto mais me esforço, mais dor eu sinto.

— Acalme-se. Você está bem, Me.

— Senhorita, Rose. Que satisfação vê-la acordada! — Um médico, que aparenta ter por volta de cinquenta anos, cabelos grisalhos, entra ao lado de três enfermeiros. Eu os observo, esperando que eles me digam alguma coisa. Estou aflita por informações. Não consigo me lembrar de quase nada.

— Vamos fazer alguns procedimentos e em breve poderá falar com seu irmão. Seus pais já foram contatados e estão a caminho do hospital. —Mostra um sorriso tranquilizador. — O pior já passou. Você está muito bem. — Sorri novamente, mas não consigo retribuir; sinto-me incapaz de esboçar qualquer reação. Parece que algo está muito errado comigo, tento entender o que é, contudo ainda estou muito confusa.

Eles me examinam, fazem algumas perguntas e, depois de tudo concluído, meu irmão surge ao lado do médico. Os olhares que eles trocam parecem bem estranhos.​

— Aconteceu alguma coisa? — questiono-os e, quando meus olhos param em Alan, percebo que ele engole em seco e olha em seguida para baixo.

— Depois conversaremos.

— NÃO. — Dessa vez, minha voz ganha um tom acima do normal. — Quero saber o que está... — De repente, a imagem da minha melhor amiga se projeta bem diante de meus olhos. Flashes do acidente surgem repentinamente, mas nada muito esclarecedor; apenas fragmentos, nos quais pareço estar feliz, poucos segundos antes... — Deus... — murmuro, e lágrimas alagam meus olhos.

— Ouça, querida. Você precisa se acalmar — meu irmão diz, mas, quando o encaro novamente, ainda noto a tensão em seu rosto.

— Foi a Alice, não foi? Ela está mal? —Lágrimas escorrem profusamente por meu rosto e meu cérebro grita por mais informação.

— Querida, eu sinto muito, mas ela não resistiu... — Alan informa de súbito. — Sinto muito. — As palavras recém-saídas de sua boca parecem dilacerar meu coração. A impressão que tenho é de que o mundo está girando em câmera lenta. Nego com a cabeça, mas não consigo falar. Um nó se forma em minha garganta. Fecho os olhos com força, tentando entender como tudo aconteceu. O médico interrompe pedindo que eu espere até que seja totalmente examinada. Eu concordo, ainda em prantos, e, depois que todos saem, meus pais já estão com meu irmão.

Fui medicada e estou mais calma agora, porém ainda muito ansiosa por ouvi-los; preciso saber exatamente o que houve.

— Como aconteceu? — inquiro, observando um a um. Minha mãe exibe enormes olheiras, provavelmente não dorme desde que vim parar aqui; meu pai não parece muito diferente, seu abatimento é incontestável. Eles parecem devastados, e eu apenas quero saber o que houve para que ainda haja tanta tensão em cada rosto diante de mim.

— Uma mulher — meu irmão começa, já que meus pais parecem sem forças para falar. — Ela estava aparentemente bêbada e seu carro colidiu com o de vocês em um cruzamento muito perigoso. Alice estava dirigindo e, quando passaram pelo cruzamento, vocês foram surpreendidas pela caminhonete em alta velocidade. O lado de Alice foi o mais atingido.

— Há mais uma coisa que precisamos contar, querida — minha mãe diz com a voz embargada. — Precisamos que seja forte. — Com as sobrancelhas plissadas, tento entender o que poderia ser tão ruim quanto perder uma amiga.

— Fala de uma vez, mãe! — exijo, e ela se vira para abraçar meu pai. Mamãe chora copiosamente agora.

— Não posso...

— Deixe que eu conte — Alan novamente intervém.

— Sua perna foi esmagada. Você passou por uma importante cirurgia, mas...

— Não — interrompe minha mãe. — Eu conto. — Ela respira profundamente, esfrega o rosto com as mãos e, quando finalmente me olha, o pranto já me venceu.

— Eles fizeram de tudo, mas tiveram que amputar sua perna, querida. Eu sinto tanto! — As lágrimas deslizam em tanta abundância, que não consigo fazer nada além de chorar. Minha mãe se aproxima, meu irmão também, mas meu pai não foi capaz de ficar. Ele não gosta de demonstrar fraqueza e, quando acha que vai desabar, sempre se retira. Ficamos os três nos consolando e pensando no porquê de a vida ter sido tão dura dessa maneira.

***


EmergirWhere stories live. Discover now