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Melinda

O sol começa a brilhar por entre as frestas da persiana, e os fios de luz obrigam-me a acordar. Hoje é sábado, dia em que eu decidi sair do meu confinamento de uma semana e caminhar para finalmente receber o que Nova Iorque tem a me oferecer. Apreciar essa cidade é muito fácil, mas eu precisava descansar e colocar minha mente no lugar antes de me aventurar por aí.

Depois de um banho e de encaixar a minha prótese, visto um vestido floral e saio pelas ruas, aproveitando o calor que é tão bem-vindo e curto por aqui. Alguns minutos se passam e, caminhando pelas ruas movimentadas do Village, eu me vejo na Washington Square Park. Em meio aos edifícios e ruas extremamente movimentadas, as árvores frondosas e flores por todos os lados dão um belo colorido a este lugar. Quando Morei aqui, tive o privilégio de vir algumas vezes a esse lugar. Vinha para ler, andar, correr e até mesmo encontrar alguns poucos amigos. Mas hoje não. Hoje é diferente. Estou sozinha e não tenho um motivo especial para estar aqui. Apenas precisava vir e agora percebo que estou vendo tudo a partir de uma nova perspectiva. Faz uma semana que me mudei para cá com o intuito de me adaptar até começar a fazer algo novo.

Caminho despreocupadamente, admirando o dia e observando as pessoas fazendo coisas comuns e, ao mesmo tempo, tão especiais. Com minha câmera em mãos, começo a fotografar a bela fonte que fica bem ao centro do Parque, onde as pessoas molham os pés, aproveitando esse momento raro que é desfrutar do verão nova-iorquino. Reparo nas pessoas deitadas na grama, algumas lendo, outras dormindo, além de casais ouvindo músicas. Observo atentamente uma jovem asiática; ela toca em um piano de calda em pleno parque, próximo a um belíssimo jardim florido. É uma rara imagem, dessas que se vê apenas em cidades como Nova York.

Quando caminho de volta para casa, sinto-me bem, como há muito tempo não me sentia. Voltar não está sendo tão assustador como algumas vezes cheguei a temer que seria.

Caminho pelas ruas e, através do celular, troco mensagens com meu irmão. Ele quer que eu saia para jantar fora. Acha que preciso me socializar e acredita que uma semana foi tempo suficiente para ficar trancada em minha bolha particular. Reviro os olhos e sorrio imaginando sua preocupação em relação a mim. Meu irmão deve se sentir responsável por mim, mesmo eu tendo explicado mil vezes que não deve se sentir assim. Alan diz que, se algo acontecesse novamente comigo, jamais se perdoaria. Nada do que houve é culpa dele, mas colocar isso em sua cabeça dura está sendo uma tarefa complicada.

Eu: "Acho que você deveria parar de se preocupar comigo".
Alan: "Acho que você deveria parar de se preocupar com a minha preocupação".

Sorrio, sentindo-me feliz com o bom humor do meu irmão. Marcamos de nos ver mais tarde e nos despedimos. Guardo o celular na bolsa e pego novamente a câmera fotográfica. Um pouco dispersa enquanto a penduro no pescoço, sinto algo fazendo cócegas em minha canela e, automaticamente, olho para baixo, encontrando um cão extremamente animado, diferente, mas não menos encantador. Aparentemente, não tem uma raça definida. Tem a cor caramelada, olhos brilhantes e castanhos, mas o que mais me chama a atenção é a orelha. Ele perdeu uma grande parte da orelha esquerda e a impressão que tenho é de que ele foi queimado.

Instintivamente, miro minha câmera, capturando uma bela foto. O cão é alegre e parece sorrir para a câmera enquanto miro em sua direção. Talvez eu nunca tenha visto um cachorro sorrir. Reparo que há algumas marcas em sua cabeça, mas não sei precisar o que pode ter acontecido com esse pobre cão no passado. Sinto arrepios ao imaginar o que este cachorro pode ter sofrido nas mãos de quem quer que seja. Porém, rapidamente, sou tomada por uma alegria. Mesmo que um dia ele tenha passado por algo traumático, seguramente recebeu carinho de uma família ou de alguém que esteja cuidando dele da forma que merece. Assim como eu tive em minha vida. Sei disso por conta de sua coleira, a qual arrasta pelo chão. Pego-a antes que ele fuja novamente.

EmergirWhere stories live. Discover now