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Melinda

A chuva bate com força no para-brisa, quase nos impedindo de enxergar qualquer coisa a nossa frente.

— Acho melhor pararmos! — Alice diz atrás do volante enquanto o mundo parece cair sobre nossas cabeças.

— Sim. Vamos esperar que a chuva passe. Vamos parar no primeiro lugar que encontrarmos.

Ela concorda com a cabeça concentrada no trânsito a sua frente. Observo o limpador de para-brisa fazendo seu trabalho para retirar a chuva sobre ele, mas isso não está ajudando em nada. A chuva bate violentamente contra o vidro.

O sinal está vermelho e, no momento em que a cor muda para o verde, ela acelera. Em milésimos de segundos, no entanto, um farol muito alto e próximo demais cega nossos olhos. A luz ofuscante está cada vez mais perto, como se eu a visse em câmera lenta; eu grito, mas é tarde demais.

Desperto assustada, com lágrimas escorrendo sobre meu rosto, enquanto o sonho se perde em uma bruma. Olho para o relógio no criado-mudo, são 3 da manhã. Minha respiração está ofegante e eu me ergo, ainda na cama, puxando o ar com força para dentro dos meus pulmões. Sento-me sobre a cadeira com rodinhas e me movo em direção ao banheiro. Levanto-me da cadeira segurando nas barras laterais que ficam na parede ao lado da pia. Ainda ofegante e com suor escorrendo em minha testa, tento me recuperar, mas sinto o vômito subir pela garganta e só tenho tempo de me jogar próximo ao vaso, agarrando-me nas laterais.

Eu me contorço por alguns segundos, tentando expulsar tudo dentro de mim. Fico sentada no chão ofegando e tremendo por vários minutos até que, com dificuldade, consigo me erguer novamente. Molho meu rosto, escovo os dentes e, ainda trêmula, volto para minha cama, triste e frustrada ao saber que esses sonhos parecem cada vez mais reais.

***

Na manhã seguinte, decido sair e dar uma volta com minha inseparável máquina fotográfica. Mexer o corpo e ocupar a minha mente é o que sempre faço depois de uma noite maldormida. Meus cabelos estão amarrados no topo da cabeça e me sinto bem dentro de um vestido leve de mangas curtas. Embora meu irmão esteja trabalhando, já me enviou mensagem logo quando acordei. Alan queria saber se eu passei bem a noite sozinha em seu apartamento. Sua mensagem foi respondida com um "muito bem" para não deixá-lo preocupado.

Penduro a câmera sobre meu pescoço, pego minha bolsa e saio. Quando fecho a porta, ouço latidos e meus olhos se prendem na cadela mais alegre que já vi. Em seguida observo o dono dela, que está me encarando diretamente nos olhos. Hesito um pouco, mas decido caminhar em sua direção, já que o elevador está próximo ao seu apartamento. Espero que fuja com Lola, mas ele não faz. Christopher não foge, não corre, não faz nenhum movimento; apenas me observa intensamente. Eu me aproximo, imaginando o motivo de ele ainda estar aqui.

— Espero que você tenha visto que deixei suas compras — ele finalmente diz, um tom calmo na voz. Abro parcialmente a boca, um pouco incrédula com suas palavras. Não pelo que disse realmente, mas devido ao fato de ele falar comigo sem que eu tenha dito algo primeiro.

— Sim. Obrigada — consigo dizer até ouvir novamente os latidos da cadela. Sorrio para ele pedindo silenciosamente permissão para tocá-la. Ele apenas assente e eu me abaixo desajeitada. Lola voa em mim como se estivesse faminta e eu fosse algum tipo de comida. Eu me abaixo e ela lambe meu rosto inúmeras vezes, fazendo-me rir como da última vez.

— Lola! — ele a repreende, puxando-a pela coleira, fazendo-a se afastar de mim.

— Tá tudo bem! — informo tentando me erguer novamente. Christopher se afasta, abrindo a porta de seu apartamento e, quando penso que ele vai entrar, apenas coloca Lola lá dentro e volta para me ajudar. Dessa vez, é prestativo e segura meus cotovelos sem pressa. Quando estou novamente de pé, eu o agradeço, mas ele ainda segura meu cotovelo.

Estamos próximos como jamais ficamos e agora, assim, tão de perto, consigo ver as sombras escuras que sempre estão no fundo dos seus olhos. Enquanto o observo, alguma coisa neles me chama a atenção, tornando quase impossível desviar meu olhar. Ele parece tão triste que não posso evitar a curiosidade.

Quando percebe que está segurando meu cotovelo mais tempo que deveria, Christopher me solta e dá dois passos para trás.

— Obrigada — agradeço mais uma vez enquanto me seguro para não ceder ao impulso de retirar alguns fios de cabelo que estão sobre seu rosto.

Ele acena com um sorriso sem humor curvando o canto da boca.

— Espero que ainda possamos ser amigos. — As palavras saem da minha boca antes mesmo que eu possa detê-las. Eu apenas havia esquecido que ele não quer ter amizades, mas é como se eu soubesse que não disse aquilo de verdade.

Ele dá mais um passo para trás, mas solta um suspiro profundo.

— Achei que estivesse com ódio de mim — diz, claramente arrependido por sua atitude de ontem.

— Águas passadas. — Sorrio e estendo a mão. O "v" que sempre está presente entre seus olhos parece ainda mais evidente agora enquanto ele observa minha mão. Christopher finalmente a segura e a cobre com o tamanho absurdo de sua mão.

— Ótimo! — digo, afastando-me. — Nós nos vemos depois. Quando estou me virando para ir embora, ouço o som da sua voz.

— Você não me disse seu nome.

Curvo meus lábios em um rápido sorriso.

— Meu nome é Mel. — Não sei por qual razão usei um apelido de infância, mas é como se eu quisesse ser outra pessoa para ele. Uma pessoa normal, sem um passado ruim.

Seus olhos sorriem por uma fração de segundos, mas eu noto.

— Christopher.

— Eu sei.

Ele une as sobrancelhas, pisca algumas vezes, mas acena com a cabeça como se tivesse entendido que ontem eu havia lido em seu crachá.

Entro no elevador satisfeita de ter conseguido o primeiro passo para uma possível amizade.

______________


Grupo no face: Camila Ferreira - Romances

IG: Camilaf21 



EmergirWhere stories live. Discover now