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Nova York, agosto de 2016

O taxista recebe meu dinheiro, mas ainda me observa com um olhar de preocupação. Pena, talvez.

— Tem certeza de que não quer que eu a ajude? — Ele está agindo assim depois de ter me visto cair bem na saída do aeroporto. Às vezes esqueço que uso uma perna mecânica e, quando isso ocorre, quase sempre, protagonizo um belo espetáculo. Eu estava com muita pressa e acabei tropeçando em uma mala, caindo no chão liso do aeroporto. Esse tipo de coisa não ocorre com muita frequência, mas, quando acontece, percebo que choca as pessoas. Não entendo bem o motivo, já que não me machuco na maioria das vezes.

Ver uma pessoa que usa perna mecânica cair parece algo de outro planeta. As pessoas ficam sem reação ou muito impressionadas. Talvez eu me machucasse mais se tivesse uma perna de carne e osso, mas explicar isso, toda vez que cair, seria bem cansativo.

O motorista me entrega minha mala de rodinhas e eu o agradeço. O homem, que tem aparência e sotaque indianos, entra no carro, mas ainda demora alguns segundos para finalmente dar a partida e acelerar pelas ruas.

Estou no Greenwich Village ou apenas Village. Embora conheça Nova York, ainda me impressiono com essa parte de Manhattan. Aqui há prédios relativamente baixos, contrastando com os arranha-céus existentes na maior parte da ilha.

Sei que estou retornando para o lugar onde tudo aconteceu, mas, como dizem por aí, a melhor maneira de superar o medo é enfrentando-o. Bom, aqui estou eu; de volta à casa do meu irmão, o lugar onde minha vida mudou drasticamente em virtude daquele trágico acidente, ou melhor, daquele homicídio doloso no qual quase perdi a vida, o mesmo em que minha amiga Alice teve a sua interrompida.

Vim a pedido do meu irmão. Voltei para cá com a intenção de buscar novas oportunidades. Quando sofri aquele acidente, eu era uma estudante de administração, por influência do meu irmão mais velho, que havia se formado alguns anos antes. Por razões óbvias, ainda não pude concluir o curso. Contudo, agora que estou apta a retomar os estudos, não sei se administração era o que eu realmente queria da vida. Depois de tudo o que houve, percebi que não faço a menor ideia de qual caminho seguir ou o que fazer. É como se minha mente tivesse se transformado depois daquele dia. Agora quero ir devagar e fazer de tudo para seguir em frente, vivendo um dia de cada vez e fazendo aquilo em que realmente sinta prazer.

Jogar-me na cama e chorar não trará minha perna de volta e eu não irei me "descabelar" por isso. Em virtude de meus tratamentos, só consegui me adaptar bem com a perna mecânica um ano após o acidente. Havia desistido uma vez. Estava convencida de que nunca iria me adaptar. Ainda tenho uma parte da perna e encaixar algo estranho nela, suportando o peso do meu corpo, não foi nada fácil. No entanto, depois de muita insistência, voltei a usar e fiz mais sessões de fisioterapia para realizar meu maior sonho, que era voltar a andar sem qualquer ajuda de muletas, algo que me machucava muito.

Depois de um ano de sofrimento, finalmente me adaptei. A sensação de estar andando sem ajuda de muletas foi a melhor que já experimentei em toda a minha vida. Depois disso eu me arrisquei a fazer algumas coisas diferentes. Os tratamentos têm me ajudado e tenho que admitir que minha psicóloga estava certa no fim das contas. Eu precisava de algo novo e resolvi fazer mais do que lamentar e esperar as coisas acontecerem. Sim, eu sei. Estava no caminho para me tornar uma depressiva, mas mudei minha maneira de enxergar as dificuldades. Já não vejo o sofrimento como uma solução que não existe.

Estive no táxi tempo demais devido ao trânsito pesado. Meus ouvidos, no trajeto do aeroporto até o Village, foram confrontados pelo inconfundível barulho nova-iorquino. Os roncos dos motores, as buzinas e sirenes absurdamente altas são muito comuns por aqui. De repente me vi cercada de pessoas caminhando apressadamente ao meu redor, e isso, de certa maneira, acordou-me. Não de um modo ruim. Não mesmo. Todo esse ruído me trouxe saudade de um curto período em que vivi aqui, da minha amiga. De alguma forma, mesmo que no fim minha estada aqui tenha sido traumática, sei que precisava voltar. Algo dentro de mim, dizia que eu precisava voltar.

EmergirWhere stories live. Discover now