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Mel

Que a minha atração por pessoas incomuns surgiu depois daquele acidente, eu não tenho a menor dúvida. Aquele rapaz é diferente, mas depois de hoje acho que andei confundindo grosseria com introspecção. O pior de tudo é que eu não consigo parar de pensar sobre o porquê de ele ser tão arisco. É como se ele fosse algum tipo de animal da selva que precisa ser domado.

Sentada sobre minha cama, analiso alguns papéis de inscrição do curso de cinema que farei em breve. Preciso me ocupar com algo realmente relevante para manter minha sanidade mental. Separo alguns papéis e os guardo em uma pasta que eu havia colocado sobre a minha cama. Ergo-me e caminho até a cômoda onde minha máquina e meu celular estão. Alcanço minha máquina fotográfica e analiso distraidamente algumas fotos, mas paro no rosto da cadela mais sorridente que já vi. É uma foto linda, que pretendo guardar para sempre. A cadela que não tem uma orelha. Isso não parece como um defeito para mim, e sim como um charme que a transformou em uma cadela especial.

Repentinamente me sobressalto em virtude do som da campainha do meu aparelho celular. Estava tão concentrada nas fotos, que qualquer barulho me assustaria. Pego o aparelho e vejo que é minha mãe. Ela me liga quase todos os dias e sua preocupação não diminui mesmo que eu a tranquilize dizendo que estou muito bem. Decido atender antes que ela enlouqueça.

— Filha! Como você está?

— Mãe, você me perguntou isso há menos de vinte e quatro horas. — Ouço algo parecido com um suspiro do outro lado da linha.

— Quero saber como você está hoje.

— Bem, e você?

— Preocupada. Não sei se foi uma boa ideia deixá-la voltar para esse lugar.

— Não há motivos para preocupações.

— Espero que seu irmão esteja te levando para passear e te ajudando com o que precisa.

Reviro os olhos teatralmente mesmo que ela não me veja.

— Mãe, acho que você está perdida em alguma máquina do tempo. Eu já cresci. Sou adulta há alguns anos.

Sua respiração torna-se mais pesada.

— Para todos os outros, você cresceu. Não para mim. — Seu comentário me faz curvar os lábios em um sorriso.

— Eu te amo. Não precisa se preocupar. Sério!

— Estava revirando alguns papéis sobre o processo, todo andamento e a decisão do juiz sobre a mulher que...

— Mãe... Eu não quero saber.

— Mas filha, você precisa se inteirar sobre tudo que está acontecendo.

— Isso não trará Alice ou minha perna de volta. Tente não falar sobre isso, por favor. Ainda não posso. Eu não estou preparada. — Somos preenchidas por um longo silêncio, mas minha mãe parece ter entendido o recado.

— Vou tentar. Seu pai mandou um beijo, filha.

— Outro para ele. Eu amo vocês.

Conversamos mais alguns minutos sobre assuntos mais leves como levar um agasalho ou um guarda-chuva, caso o tempo mude, e outros assuntos triviais. Desligamos e, depois de me arrumar para me juntar ao meu irmão em um jantar de amigos no sushi da esquina, analiso minha figura no espelho mais uma vez. Eu pareço bem, com um vestido simples e curto, floral, de alças grossas. Solto meus cabelos loiros-escuros e os deixo cair como cascata sobre meus ombros. Minha maquiagem está bem leve, e depois de satisfeita, alcanço a bolsa tiracolo.

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