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Melinda

O ar ainda está quente, mas a brisa começa a tocar levemente a minha pele. O verão dá indícios ínfimos de que em breve irá partir. Aproveito esses dias em que o tempo contribui e faço mais algumas fotos com a minha máquina. Não imaginei gostar tanto de fotografar, mas, como não tinha muita coisa a fazer, isso se transformou em algo prazeroso.

Caminho pela Rua Três depois de mais um passeio solitário por Manhattan. Alan foi bem generoso por me deixar à vontade para aproveitar ao máximo antes de descobrir o que eu realmente pretendo fazer. Ele chegou a me oferecer trabalho em sua imobiliária, mas eu disse que quero um tempo para pensar sobre isso. Ele sabe que não vim para ficar muito tempo sem um trabalho ou curso, mas prometeu me dar o espaço de que preciso.

Estou à procura de uma loja depois de sentir dores incômodas provenientes, mais precisamente, cólicas. Entro na primeira loja de conveniência que encontro, pego uma cesta e faço meu caminho diretamente para a área de higiene pessoal. Alcanço um sabonete íntimo, absorventes, remédios para cólica e sigo para o corredor de sucos. Pego meu favorito, de manga, e me dirijo ao caixa. Coloco os itens sobre o balcão e espero que o homem uniformizado e de costas para mim me atenda. Reparo em sua forma física, pensando em como este homem me parece familiar e então, quando ele se vira, pisco algumas vezes incrédula ao perceber que, mais uma vez, estou diante dele. Abro ligeiramente a boca enquanto meu vizinho pega os itens, olhando-os um a um. Se fosse qualquer outro funcionário, eu não estaria constrangida como agora. É como se ele estivesse desvendando meus segredos mais sujos através das coisas que comprei. Fecho os olhos, mortificada, mesmo que seu rosto não demonstre qualquer tipo de reação. Ele parece não se importar, mas eu estou consternada mesmo sabendo que isso é tão idiota e que são produtos que mulheres compram todos os dias.

O rapaz passa as compras no leitor digital e eu decido não me preocupar. Afinal, isso são compras normais, oras! Eu não deveria me importar. Olho de relance para seu crachá e leio o nome discretamente. Ele se chama Christopher. Finalmente sei algo a seu respeito. Hoje ele também está de boné com o logotipo da loja e com os cabelos escondidos dentro dele. Christopher ignora o fato de ter me visto muitas outras vezes e eu tenho uma súbita irritação por essa atitude.

— Doze dólares e quarenta — ele utiliza um tom formal na voz, com os olhos presos à tela do computador a sua frente. Por alguma razão, uma necessidade de que ele olhe para mim ou de chamar sua atenção me consome. Quanto mais fechado ele é, mais curiosa sobre ele eu fico. Isso está me deixando louca.

— Você tem cigarros? — pergunto de súbito, sem saber por que, mas finalmente consigo alcançar meu objetivo. Ele está olhando para mim e eu consigo ver, mesmo que seja ínfima, certa curiosidade em seus olhos.

— Atrás de mim.

Engulo em seco, observando a montanha de cigarros em toda parte; idiota como sou, nem havia notado.

— Pode ser um desse verde aí!

Ele ergue as sobrancelhas e se vira para pegar. Com a delicadeza de um elefante, meu vizinho, que insiste em ignorar minha presença, coloca a caixa sobre a mesa.

— Vinte dólares e quarenta centavos, por favor.

Amplio os olhos perplexa com o que acabo de ouvir.

— Você está me dizendo que um cigarro custa essa fortuna? O mais incrível é saber que ainda existem tantos fumantes no planeta! — Talvez eu tenha visto o fantasma de um sorriso. Não tenho certeza. Desde que o vi pela primeira vez, ele não contrai nem um músculo de seu rosto. Na verdade, é difícil encontrar suas expressões faciais através da barba espessa. Como o contrataram com essa barba que parece ter sido negligenciada há anos?

— Para uma fumante, você deveria saber o valor de um cigarro. — Pela primeira vez sinto sarcasmo saindo de sua boca.

— Na... Não são para mim. Nem para o meu irmão, caso você queira saber. Nunca fumamos e odiamos cigarros. Aliás, eu já experimentei há alguns anos, mas odiei. Eu ia presentear um mendigo que vi na rua e... e à mulher dele, que acredito precisar de absorventes. Eu, eu não uso, quero dizer, claro que uso, mas... — Paro de falar, percebendo as besteiras que estão saindo de minha boca e imaginando o que deve estar passando pela cabeça dele. Não sei por qual razão, mas senti uma necessidade de explicar algo que ele, provavelmente, não quer saber. Agora me sinto uma patética. Ele não diz nada em resposta.

— Okay, talvez você tenha uma bebida alcoólica?

— No último corredor. — Embora eu estivesse arrumando um pretexto apenas para puxar assunto, suas feições são praticamente impenetráveis. Ele volta sua atenção para o computador.

— Vai querer o cigarro ou a bebida? — questiona com um tom impaciente ao perceber que eu não me movi.

— Não! — respondo categoricamente.

Ele então volta a atenção para o computador. Observo-o, analisando os traços em seu rosto. Ele tem um nariz bonito, pele lisa escondida no emaranhado de barba. De repente me vem uma constatação. Christopher pode pensar que eu vim por sua causa. Que sou uma louca perseguidora ou sei lá.

— Só para constar, eu não sabia que você trabalhava aqui. — Explico, minha voz quase um sussurro.

— Eu sei — responde sem me olhar. — Doze dólares e quarenta centavos. — Sopro o ar pesadamente. Qual é o problema dele?

— Qual é o seu problema? — verbalizo meu pensamento. — Eu não sou contagiosa, bom?

Ele pisca algumas vezes, agora me olhando com certa curiosidade.

— Eu sei.

— Se sabe, por que me evita? Qual é o seu maldito problema? Eu apenas tenho uma perna mecânica e ela não faz mal a ninguém. — Percebo que ele olha para os lados e volta e me encarar. Ele inspira profundamente e solta o ar com força.

— Eu não quero ser indelicado, mas eu não busco amizades e acho que você deveria ter notado desde o primeiro momento em que me viu. Deixei pistas suficientes, não acha?

Encaro-o com uma expressão entre horrorizada e perplexa. Sem responder ao seu quase insulto, eu retiro uma nota de dez e outra de cinco dólares da minha bolsa e praticamente as jogo sobre o balcão.

— Fique com o maldito troco! — Afasto-me praticamente correndo; se não fosse por minhas limitações, teria sido mais rápida. Tropeço, mas tomo cuidado para não ir de encontro ao chão e saio pela porta.


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