marias, sem graça (parte I)

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A Maria tem onze anos,

magra e franzina,

corre veloz pelos campos,

odeia saias e "coisas de menina".

Esta Maria não é cheia de graça,

joelhos esmurrados,

nódoas na roupa e sorriso rasgado,

doces anos preservados.

A Maria tem catorze anos,

cresceu e está perdida,

disseram que parece um rapaz,

demasiado desinibida.

Maria quer saber porque raio,

porque raio não pode dizer palavrões,

porque não fica bem andar com os rapazes

e em vez de saias, vestir calções.

Maria já não corria, conversava apenas,

brincava com os rapazes,

ouviu que não havia equipas femininas no desporto,

mas as meninas eram capazes.

A Maria tem quinze anos,

poucas curvas e odeia vestidos,

quer voltar a jogar à bola,

mas agora os rapazes são pervertidos.

Obrigada a usar o que não quer,

e a não dizer o que lhe apetece,

Maria cresce na incerteza,

é de propósito, vida, ou acontece?

Perguntaram-lhe se era um menino,

porque não deixava o cabelo crescer,

ela olhava confusa e assustada,

ela não precisava de se explicar, apenas ser.

As pernas magras nas saias,

eram motivo de grande riso,

a Maria vivia envergonhada,

lá se vai o sorriso.

Juliana era a amiga de Maria,

tem um ventre saliente,

coxas que se tocam,

e também sofria, infelizmente.

Diziam que a Ju era gorda,

que ninguém a ia querer,

que a Maria era magra,

não havia nada para ver.

Sexualizadas e tristes,

a Juliana no fundo do poço,

Maria sem saber o que fazer,

com a corda no pescoço.

E com a corda no pescoço,

foi assim que a Ju morreu,

ninguém queria acreditar,

mas foi a realidade, doeu.

Todos se pareceram esquecer da Juliana,

Maria vivia triste e zangada,

perdeu a amiga, o amor próprio,

sem amor e magoada.

Abril começava a abrir as flores,

e com isso abriu o coração de Maria,

levantou-se subitamente da cama,

queria viver o dia.

Entrou na escola, de calções

e o cabelo cortado,

ela era "puta" e "mal amada",

como se fosse pecado.

Todos os olhares nela,

e ela não dava atenção,

ela era o que queria,

não tinha de ter explicação.



FEMME AIN'T FRAILWhere stories live. Discover now