marias, sem graça (parte 2)

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No dia santo ela senta à mesa,

e ele senta também,

é um amigo do pai,

mas não da mãe.

Mulher não sorri para homem,

a não ser para o seu,

ele beija a mão dela e ela responde

"o prazer é meu".

O prazer não é dela, de longe,

há prazer em servir de brinquedo?

Há que ser sensível, mulher,

do mundo é preciso ter medo.

Madalena de seu nome,

sempre ouvia a mãe dizer,

mulher que é mulher fica em casa,

e só sai se o marido disser.

Madalena usava cabelo solto,

laços e vestidos compridos,

e diziam-lhe que menina de doze,

não podia ter amigos.

Só amigas, apenas meninas

e tinham de ser tal como ela.

"Madalena, quem manda é o homem,

Deus nos criou da sua costela."

A mãe repetia, lendo a Bíblia,

todo o dia ia à igreja rezar,

para que nada lhes tire a boa reputação,

e assim seja.

A mãe servia o almoço sorridente,

sentava e sempre sem falar,

o amigo do pai sorria de volta,

só os homens podem conversar.

Madalena esperava a autorização,

queria sair e brincar,

assim que podia corria lá fora,

e o amigo do pai a observar.

Logo a mãe se envergonhava,

ao ver a filha desarrumada,

"Madalena, arranja a saia!",

mulher tem de ser comportada.

O amigo do pai fumava cachimbo,

e era dono de grande riqueza,

quando a mãe de Madalena adoeceu,

aproveitou-se de sua fraqueza.

Dona Maria, pobre senhora,

doente e abusada

o amigo do marido lhe disse

"É bom que não contes nada!"

O olhar dele era tão ameaçador,

que ela fingiu que estava tudo bem,

continuou a sorrir sempre para ele,

justiça a mulher não tem.

O que faria a Dona Maria,

esta Maria não é de Nazaré,

se contasse seria chamada de louca,

até vadia, não é?

Provavelmente seria morta a tiro,

pelo marido que não seria julgado,

o orgulho de um "grande" homem,

a sangue deve ser lavado.

A culpada era ela mesma,

pensava ela ao olhar ao espelho,

talvez a saia fosse curta,

mas a saia passava do joelho.

Dona Maria, mulher de respeito,

pensou como ali o perdeu,

mas o respeito parece escolher géneros,

e esse respeito nunca foi seu.

Madalena de catorze anos,

aprendia a cozinhar,

o amigo do pai observava,

sempre que a via passar.

O pai dela gostava disso,

dizia ele que o amigo cuidava dela,

mas ele não entendia,

ele olhava era para a saia dela.

Num dos dias santos,

no final do dia,

o amigo do pai sentou-se ao pé dela,

Madalena sorria.

Entre sorrisos e gargalhadas,

a mão dele na perna dela foi parar,

quase parece uma história romântica,

mas é da realidade que estamos a falar.

Todos adivinham o que se passou,

e todas as tardes se repetiu,

Madalena chorava desesperada,

mas nunca ninguém ouviu.

Os pais saíam, a proteção também,

o amigo do pai prometia cuidar,

mas levava a menina para o quarto,

e assim se cometia o crime, roubar.

Roubou inocência, pureza,

e essa não há maneira de recuperar,

continuava a comer naquela casa,

a mulher tem de se calar.

FEMME AIN'T FRAILOù les histoires vivent. Découvrez maintenant