No dia santo ela senta à mesa,
e ele senta também,
é um amigo do pai,
mas não da mãe.
Mulher não sorri para homem,
a não ser para o seu,
ele beija a mão dela e ela responde
"o prazer é meu".
O prazer não é dela, de longe,
há prazer em servir de brinquedo?
Há que ser sensível, mulher,
do mundo é preciso ter medo.
Madalena de seu nome,
sempre ouvia a mãe dizer,
mulher que é mulher fica em casa,
e só sai se o marido disser.
Madalena usava cabelo solto,
laços e vestidos compridos,
e diziam-lhe que menina de doze,
não podia ter amigos.
Só amigas, apenas meninas
e tinham de ser tal como ela.
"Madalena, quem manda é o homem,
Deus nos criou da sua costela."
A mãe repetia, lendo a Bíblia,
todo o dia ia à igreja rezar,
para que nada lhes tire a boa reputação,
e assim seja.
A mãe servia o almoço sorridente,
sentava e sempre sem falar,
o amigo do pai sorria de volta,
só os homens podem conversar.
Madalena esperava a autorização,
queria sair e brincar,
assim que podia corria lá fora,
e o amigo do pai a observar.
Logo a mãe se envergonhava,
ao ver a filha desarrumada,
"Madalena, arranja a saia!",
mulher tem de ser comportada.
O amigo do pai fumava cachimbo,
e era dono de grande riqueza,
quando a mãe de Madalena adoeceu,
aproveitou-se de sua fraqueza.
Dona Maria, pobre senhora,
doente e abusada
o amigo do marido lhe disse
"É bom que não contes nada!"
O olhar dele era tão ameaçador,
que ela fingiu que estava tudo bem,
continuou a sorrir sempre para ele,
justiça a mulher não tem.
O que faria a Dona Maria,
esta Maria não é de Nazaré,
se contasse seria chamada de louca,
até vadia, não é?
Provavelmente seria morta a tiro,
pelo marido que não seria julgado,
o orgulho de um "grande" homem,
a sangue deve ser lavado.
A culpada era ela mesma,
pensava ela ao olhar ao espelho,
talvez a saia fosse curta,
mas a saia passava do joelho.
Dona Maria, mulher de respeito,
pensou como ali o perdeu,
mas o respeito parece escolher géneros,
e esse respeito nunca foi seu.
Madalena de catorze anos,
aprendia a cozinhar,
o amigo do pai observava,
sempre que a via passar.
O pai dela gostava disso,
dizia ele que o amigo cuidava dela,
mas ele não entendia,
ele olhava era para a saia dela.
Num dos dias santos,
no final do dia,
o amigo do pai sentou-se ao pé dela,
Madalena sorria.
Entre sorrisos e gargalhadas,
a mão dele na perna dela foi parar,
quase parece uma história romântica,
mas é da realidade que estamos a falar.
Todos adivinham o que se passou,
e todas as tardes se repetiu,
Madalena chorava desesperada,
mas nunca ninguém ouviu.
Os pais saíam, a proteção também,
o amigo do pai prometia cuidar,
mas levava a menina para o quarto,
e assim se cometia o crime, roubar.
Roubou inocência, pureza,
e essa não há maneira de recuperar,
continuava a comer naquela casa,
a mulher tem de se calar.
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FEMME AIN'T FRAIL
PoésieDedicado às mulheres, as que lutaram por nós, as que ainda lutam, todas nós. (©)HELPCOBAIN 2017