Um mundo novo

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Nunca estive mais bonita na minha vida, nem quando visto a roupa especial da ceifa e Mia me penteia o cabelo.
Passei horas com pessoas estranhas a arrancar cada pelo do meu corpo, a lavar, esfregar e a passar produtos na minha pele e o dói-me a cabeça de tantas vezes que me puxaram os caracóis para esticar o cabelo (e depois desse trabalho todo decidiram que o encaracolado combinava mais com a roupa e tiveram que começar de novo).
Depois de muito sofrimento a equipa de preparação decidiu que eu já estava apresentável e conheci a minha estilista, Kiale. Tem o sotaque extremamente carregado, o que torna difícil entender o que ela diz, veste-se toda da mesma cor (inclusivamente o cabelo) e não consegue parar de dizer como está entusiasmada pelos Jogos deste ano, o que me deixa muito irritada, mas rapidamente percebo que não faz por mal, afinal não tem culpa da educação que recebeu.
Quando me vejo ao espelho agradeço aos céus por, apesar de não ter a melhor personalidade, Kiale ser uma ótima estilista.
Normalmente os tributos do distrito 10 vestem fatos com padrão às manchas, como as vacas, e é muito comum levarem cornos na cabeça, mas escolheram para mim uma coisa totalmente diferente.
Fizeram-me uma maquilhagem leve em tons rosados que realça as minhas sardas e tenho o cabelo num apanhado solto com caracóis a cair. Não posso chamar roupa ao que cobre o meu corpo, já que me deram para vestir roupa interior da cor da minha pele e depois enrolaram à minha volta em pontos estratégicos uma corda, tal e qual as que uso na quinta com os animais, mas esta não me arranha a pele. A forma como a corda se ajusta às minhas formas e a mestria com que me tapa nos sítios chave, deixando no entanto muita pele à mostra dá um efeito magnífico. Com maquilhagem, fizeram na minha coxa uma marca com o número do meu distrito, como aquelas que fazemos nos animais para os identificar, e não sei como conseguiram deixá-la tão realista. Calçaram-me uma botas de atar iguais às de qualquer pessoa do 10, e sinto-me feliz por ter alguma coisa para me lembrar de casa.
- Agora o toque final. - diz Kiale enquanto prende malmequeres (mais uma coisa comum no meu distrito) no meu cabelo, fazendo uma espécie de coroa de flores.
- Obrigada. - agradeço-lhe sinceramente, e ela quase que chora.
Pareço linda e inocente, mas ao mesmo tempo corajosa, perigosa, forte e muito orgulhosa de ser do 10. Não podia pedir melhor.

Estou ao pé da quadriga onde eu e Gabriel vamos desfilar e sinto os olhares dos outros tributos em mim, e acho que enquanto alguns se sentem ameaçados outros tentam ameaçar-me, mas sigo as indicações de Tashi e nunca dou parte fraca. Não os vou deixar ver-me tremer.
Entretanto vejo-a sair com Gabriel do elevador e dirigem-se a mim. A minha mentora fita-me de forma aprovadora e sorri, enquanto que ele me olha de cima a baixo. Só me apetece cavar um buraco, sinceramente.
Reparo me as raparigas que já estão cá em baixo o observam com desejo enquanto ele passa. Para elas Gabriel é lindo, entroncado, loiro e de olhos azuis, para mim é estranho.
Ele vem vestido como eu, mas em vez de flores traz uma coroa de espinhos e as cordas deixam-lhe o tronco definido exposto.
Tashi elogia-nos aos dois e dá-nos as últimas indicações antes do início do desfile. Quando somos chamados, subimos para as quadrigas e esperamos pela nossa vez de atravessar os portões em direção às ruas da capital.
Mal saímos do edifício somos assaltados por gritos de entusiasmo e fico embasbacada por ver tantas pessoas, tantas cores, tanto barulho. Sinto o sangue a correr-me mais forte nas veias e não consigo parar de olhar à minha volta.
Aparentemente este é um mundo novo, um mundo sem fome, sem trabalho duro, mas atrás da máscara esconde-se um mundo de falsidade. As mesmas pessoas que agora gritam por nós farão apostas em qual morre primeiro, dentro de semanas já terão esquecido o nome de 23 de nós. E mais à frente distingo a barba branca do homem que sempre odiei, o mestre das falsas aparências, o presidente Snow.
Enquanto ele faz o seu discursozinho não consigo evitar olhá-lo com raiva e sinto-me tensa mesmo quando regressamos ao edifício de onde partimos.
Estou determinada a estar com o presidente pelo menos mais uma vez: quando ele me der a coroa de vencedora dos Jogos da Fome. Quero que ele veja nos meus olhos todas as palavras que não posso dizer.

Eu vou ganhar, não tenho outra opção.

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Mais uma vez, espero que gostem do capítulo.
Votem e comentem, estou sempre aberta a sugestões.
Muito obrigada 😘

Hunger Games: a história por contarDonde viven las historias. Descúbrelo ahora