Primeiros passos

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Dirijo um obrigada à mulher que me veio trazer o que pedi e fecho a porta devagar, com o coração aos saltos por ir finalmente saber o nome do rapaz.
Sento-me no sofá confortável do meu quarto, e aperto o caderno com as mãos enquanto me tento concentrar no que dizer. Ele caminha até mim e pára de pé, à minha frente.
- Qual é o teu nome? - pergunto baixinho, mas com clareza, enquanto lhe estendo o caderno.
O rapaz pega nele e escreve a resposta devagar, enquanto a  minha ansiedade aumenta, e depois instala-se ao meu lado no sofá, com cuidado para não me tocar. Vira então o caderno para mim.
Isaac. É esse o nome dele. Nunca conheci ninguém que se chamasse assim, mas adoro-o de imediato. Combina com ele.
- É lindo.
Olho para cima, para Isaac, e não controlo o sorriso aberto que lhe dirijo. Ele sorri de volta, um sorriso tímido sem dúvida, mas é um sorriso.
Agora que já fiz a pergunta fulcral, tento pensar nas outras mil coisas que quero perguntar e decidir qual é a próxima. Sei que tenho muito pouco tempo antes de ter que sair, e não quero esperar que Letty me veja chamar, então faço a última questão:
- Vais estar aqui quando eu voltar?
A resposta vem escrita:
Estou sempre.
Um sorriso aflora-me no rosto enquanto olho para as minhas pernas. Estou feliz.
- Obrigado por falares comigo. - digo baixinho.
A caneta desliza pelo papel depois de uns segundos de ponderação.
Obrigado por me veres. - escreve ele.
Eu percebo-o, percebo o que ele quis dizer. Isaac pode ser invisível para o resto das pessoas, mas eu vejo-o claramente, e agora que percebo a falta de resposta sonora, os gestos parecem mais fáceis de decifrar.
Sinto o corpo dele a inclinar-se para mim e suspendo a respiração quando os nossos braços se tocam, e depois a perna de Isaac encosta-se à minha. Estamos os dois igualmente nervosos, mas eu sei que não me quero afastar, por algum motivo ele mexe comigo.
Sem pressas, a mão de Isaac toca na minha pele descoberta acima do joelho e fico toda arrepiada. Primeiro, faz círculos numa área pequena, mas depois pousa toda a palma na minha  perna, e parece que todo o calor dele erradia para mim. Nervosa e entusiasmada ao mesmo tempo, acaricio-lhe o braço com a maior das levezas, até que a minha consciência volta e percebo que se não for jantar agora, daqui a nada tenho Letty a dar murros na minha porta.
Suspiro e endireito-me. Olho para Isaac e digo com uma certa melancolia:
- Tenho que ir agora.
Ele acena, tira a mão da minha perna e escreve: vou esperar ansiosamente.
Sorrio com timidez e saio do quarto a arrastar o passo, típico de quem não quer ir embora.
A caminho da sala de jantar, dou por mim a analisar o que se passou esta tarde com Isaac. É tão difícil perceber o que passa na cabeça dele, não sei bem descrever... Ele é muito fechado, muito hesitante, quase como se estivesse a travar uma batalha interior constantemente. É como se para me olhar ou tocar tenha que ultrapassar uma série de barreiras mentais. Talvez o tenham magoado mais do que eu pensava, talvez ele esteja marcado mais profundamente do que apenas a nível físico. Tenho que ter calma, ser compreensiva e tentar ajudá-lo a resolver quaisquer que sejam os traumas que o assustam. Eu quero que ele fique bem, quero que ele fique perto de mim. E não tenho a certeza de o querer só como amigo.
Viro a esquina do corredor e vejo que estão todos à mesa, menos Kiale e Gabriel. Está um lugar livre ao lado de Letty de um dos lados da mesa e dois no outro, mas decido sem pensar duas vezes que prefiro aturar Letty do que arriscar ficar ao lado de Gabriel. Mal me sento na cadeira percebo que ele já chegou, e percebo nos olhos dele que entendeu o meu raciocínio e sabe que eu fiz de propósito para o evitar. Baixo a cabeça, com a sensação incómoda a voltar, mas rapidamente decido tentar não dar importância à situação, tenho coisas mais importantes em que pensar. 

Quando Kiale chega começamos a jantar e a conversa gira à volta do treino de hoje, estão todos curiosos para ouvir como foi. 

- Então crianças, sentiram-se intimidados com a quantidade de armas que viram? - pergunta a nossa mentora - Muitos profissionais este ano?

Estou prestes a abrir a boca para responder, mas Gabriel adianta-se:

- Não acho que tenha sido difícil para a Luna. - não consigo desvender a forma como ele olha para mim e o tom da sua voz, mas parece provocativo. - Ela parecia saída do 1.

Sinto que as palavras dele acendem um fogo dentro de mim, e quando respondo faço questão de não quebrar o contacto visual.

- Não sou do 1, sou do 10. E se tivesses passado menos tempo a ver o que eu estava a fazer e mais tempo a treinar, talvez pelo menos uma das facas que lançaste tinha acertado no alvo. 

- Luna! - exclama Letty, chocada com a minha resposta. Mas eu ainda não acabei.

- Os Jogos estão quase aí, Gabriel. E ninguém quer mais inimigos do que os que já tem.

O silêncio cai na sala, e eu finalmente solto o olhar do dele. Pego no meu prato, levanto-me, e digo numa voz clara:

- Se me dão licença, vou para o meu quarto. Parece que o ambiente ficou pesado de repente.

Caminho com passos confiantes, e mal cruzo a esquina do corredor, todos os pensamentos são substituídos pelo rapaz que me espera no quarto. O fogo, embora agora diferente, reacende-se dentro de mim.


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⏰ Last updated: Mar 08, 2018 ⏰

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