Capítulo 8.

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Harry 


[...]


-Obrigado. -Digo, nervoso.

Estou encharcado em seu carro e do lado de fora, a chuva cai de forma violenta. O barulho dos pingos é abafado com os vidros fechados, mas está lá. Por todo lado. Uma tempestade. Newcastle é traiçoeira quando quer e hoje, ela está de mau humor.

-Está tudo bem.

-Desculpa, mas tô molhando seu banco.

Ele dá um sorriso minúsculo e olha pra mim. Há algo no azul de seus olhos, e não estou sendo poético. Há raiva. Decepção. Angústia. Algo assim. Lembro do modo estranho que agiu hoje cedo, e me pergunto se ninguém percebeu aquilo na escola. Aquele olhar. Deus, será que ninguém enxerga esse cara do jeito que eu enxergo?

-O estofamento é impermeável. -Responde, e sinto que está a beira de um colapso. Sua pele está pálida e há algo acontecendo. Ou não. Talvez eu esteja vendo coisas, quer dizer, ele...

Meus pensamentos foram cortados com o som de um grito rouco, ressoando pelo carro. É um grito breve.

-Louis?! -Pergunto, depois de me assustar. Não foi um urro ou um grunhido. Foi um grito, como se estivesse desabafando; botando o que tivesse de expulsar, pra fora. Como se pedisse por socorro.

Eu não sabia como salvá-lo.

Ele se controlou e respirou fundo. Passou a mão pelos cabelos castanhos, e eu esperei por alguma explicação.

-E-Eu sinto muito. -Responde, tomando fôlego, agora bem mais tranquilo (e menos assustador.) Eu assinto com a cabeça, agora, tirando o capuz cinza e deixando meus cachos semi molhados amostra. Pergunto:

-Você está bem?

Há uma pausa. Ele hesita, mas depois seu olhar volta ao normal.

-Na verdade, não. Eu ia responder que sim, porque é isso que eu respondo pra todo mundo, mas não. Não estou. Estou um lixo.

-Quer conversar sobre isso? -Pergunto um pouco acanhado, mas não acredito que ele descontará algo em cima de mim.

-A vida, Harry. Ela é um inferno. Não aguento mais.

-Porque?

Ele respira fundo, como se estivesse prestes a recitar um monólogo.

-Tudo. Minha mãe. Meus amigos. O fato de eu ter absolutamente tudo, e nunca me sentir completo. O fato de ser gay e enrustido. Como se eu sentisse...medo. O tempo todo. Sei que pode soar hipócrita e babaca, mas cansa ser o centro das atenções. Chega uma hora que você quer apenas ser normal. Ser tudo, menos o centro das atenções.

Eu dou um sorriso fraco e olho em sua direção. Estava prestando atenção em cada palavra, e acho que ele não percebeu o quanto eu sabia do que ele estava falando.

-Eu entendo você. Acho que tenho uma noção de como se sente. -Respondo, e ele olha pra mim com um olhar manso. Estamos estacionados em frente ao prédio da biblioteca, no estacionamento, e as nuvens estavam carregadas como uma arma militar.

-Co-como?

-Bom, não é do mesmo jeito que você, óbvio. Não sou o centro das atenções por ser bonito, ter um olho azul e milhares de troféus na estante. -Eu digo, e não tenho certeza, mas acho que vi um rubor em sua bochecha. Ignorei e continuei:

-Mas eu sempre fui o garoto-garota de todos os lugares. 

-Garoto-garota? 

-Isso. Da escola, do supermercado, da família. Sempre me vesti assim. Sempre fiz compras nos setores femininos e masculinos ao mesmo tempo, e sabe, as pessoas não estão muito acostumadas com isso. Comigo. Quando...quando eu... -Pensei duas vezes antes de continuar. Estaria me abrindo demais? Eu posso confiar no Louis?

You flower, you feast ♦ [l.s] [finalizada]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora