Cap. 14 - Uma criatura abominável

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Renato sacudiu o iPhone pela milésima vez. Pela milésima vez a tela se acendeu e, também, pela milésima vez não havia mensagens. O que você está aprontando, Silas?, ele se perguntou com o celular à altura dos olhos. Como o amigo podia ter sumido de uma hora para outra? Era mais fácil Silas perder um rim do que o celular. O aparelho era um órgão vital na vida do rapaz. Aquela ausência de mensagens do amigo deixava Renato intrigado. Instintivamente ele desbloqueou a tela e conferiu, outra vez, o Whatsapp. Apenas dois risquinhos cinzas. No alto do aplicativo, uma mensagem avisava que Silas não entrava no Whats há pelo menos 24h e isso era muito grave em se tratando da pessoa em pessoa em questão.

Vencido pela ausência do melhor amigo, Renato depositou o celular ao lado do prato que estava à sua frente e se concentrou no bolo de cenoura coberto com camada grossa de chocolate que estava comendo. Ficou olhando para as chamas bruxuleantes no fogão à lenha. O movimento hipnótico do fogo fez sua mente voar, indo parar no sonho da noite anterior. Renato nunca fora dado a ter sonhos (enquanto dormia), pelo menos não que se lembrasse deles. Era bem provável que ele sonhasse, sim – afinal, todo mundo sonha – mas ele nunca pensou muito nisso. Nunca se dera ao trabalho de prestar atenção em seus sonhos e talvez por isso nunca se lembrasse deles. Ele tentou reviver, na memória, cada memento do sonho: do instante em que se encontrou com Wesley até o final pastelão, quando fora empurrado por Juliano. Essa parte ele queria apagar da mente, mas todo o resto? Bem, todo o resto ele queria que fosse real.

Recordar o sonho, em parte, era muito bom, mas a vida de verdade estava aqui do lado de fora. Renato notou que a casa estava mergulhada no mais completo silêncio. Nem mesmo a trilha sonora irritante que Suzy colocava toda manhã tinha se espalhado pela casa. O que era muito esquisito, visto que a irmã fazia questão de colocar aquelas músicas chatas só para irritá-lo. Lá fora os últimos pingos de chuva produziam um som monótono e relaxante quando caiam do teto e se batiam nas poças de água formadas na entrada da cozinha.

Renato pegou outra fatia do bolo e colocou no prato, colocou uma boa quantidade de café em uma caneca onde se lia "Para a melhor mãe do mundo" e completou com leite. Decidiu que terminaria de comer o bole e voltaria para o quarto. O dia chuvoso estava convidando para uma boa leitura.

Entre uma garfada e outra, seus pensamentos foram até Wesley e ele cogitou a possibilidade de ir até o quarto do rapaz que provavelmente estava dormindo ainda. De forma mecânica, Renato olhou para trás, por cima dos ombros, e fez um cálculo mental rápido: poucos metros o separavam do quarto de Wesley. Ele poderia dar um pulo lá e espiar o rapaz. Poderia, mas não o faria. Não daria essa bandeira toda. Mas a casa parece estar vazia, ninguém vai ver você entrar no quarto dele. Depois, você pode fazer isso bem rápido, disse aquela vozinha que aparece em nossa mente sempre que quer nos meter em alguma confusão. O fato de a casa estar mergulhada neste silencio sepulcral, não significa que ela esteja deserta, disse a si mesmo. Está na hora de parar com o delírio, de não dar trela para pensamentos intrusos e insanos. Então ele desistiu de ir até o quarto de Wesley.

Racionalidade. Senso crítico. Deixar o cérebro falar antes do coração. Era disso que Renato estava precisando. Será que ele estava voltando a ser quem sempre fora? Desde que chegara a fazenda da avó e, principalmente, conhecera Wesley, ele parecia ter perdido seu senso de preservação. Wesley mexia com seus sentimentos de uma forma perturbadora.

- Eu vou ficar na minha... bem quietinho... – sussurrou para si mesmo.

- Falando sozinho agora, meu filho.

Joana entrou de repente na cozinha, foi até o fogão. Levantou a tampa da panela que estava no fogo e voltou-se para o filho.

- Tudo bem contigo?

Entre Meninos (Romance gay) - Concluído Where stories live. Discover now