Cap. 15 - Uma volta ao passado

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O Honda CR-V avançou lentamente pela rua que ia se estreitando entre barracos construídos desordenadamente. Parou ao lado de um pequeno terreno baldio. Devido a largura da rua, não era mais possível ir adiante. Wesley desligou o motor e voltou-se para a avó sentada no bando do passageiro.

- Pronto. Eu vou ficar esperando a senhora aqui.

- Tem certeza de que não quer entrar, meu filho? Afinal de contas é...

- Tenho sim, vó. Melhor eu ficar aqui.

Um lampejo de piedade passou pelos olhos da velha senhora, que encarou o neto com afeto sincero, sorriu para ele e abriu a porta do carro.

- Não vou demorar – disse.

- Não se preocupe com isso. Leva o tempo que quiser, eu espero a senhora.

Judite passou a mão pelo rosto do neto, desceu do carro e seguiu o resto da rua com dificuldade. Desviava de um buraco aqui outro ali, pois havia mais buracos do que rua na verdade. Aos poucos foi se afastando do carro, enquanto Wesley a observava com carinho. Ele tinha muita sorte de poder contar com a avó. Ele desviou os olhos, pois não queria chorar. Não ali. Não naquele momento. Se avó o encontrasse com os olhos vermelhos, saberia que ele tinha chorado e começariam as perguntas. Ele sempre quis passar a imagem de forte, a imagem de que estava tudo bem, de que ela não precisava se preocupara com ele. Não podia fraquejar agora.

Tudo o que Judite mais queria na vida era ver o neto feliz e Wesley sabia disso. Ela seria capaz de brigar com o mundo se soubesse que isso traria felicidade para o cowboy (e houve um tempo que ela precisou fazer isso). A avó já havia sacrificado muita para coisa por ele, era hora de Wesley deixá-la tranquila. Nada de perturbações sem motivo.

Um grupo de crianças magras e descamisadas brincava no espaço vazio ao lado do carro. Os gritos e risos deles trouxeram Wesley à realidade. Ele ficou por alguns minutos observando os meninos e de novo seus pensamentos voaram para longe. Há alguns anos, ele era um daqueles meninos jogando futebol ali na Vila Belém. Uma criança que só não era tão magra e tão subnutrida como aquelas ali do lado porque Judite nunca permitiu. Uma criança negligenciada pela prefeitura de Rio das Pedras, como todas as outras dos bairros periféricos da cidade, e que tinha poucas chances de ter um futuro decente.

Dois grandes acontecimentos afetaram dramaticamente a vida de Wesley. O primeiro aos 10 anos, quando o pai o tirou da escola para que o menino ajudasse a família em uma das várias fazendas de feijão da região de Rio das Pedras. Era o destino cumprindo seu papel. O pai de Wesley era um trabalhador rural, o avô de Wesley também; e qualquer pequena consulta à árvore genealógica da família do cowboy poderia atestar que esse padrão se repetia por várias e várias gerações. Por conseguinte, cabia ao menino o mesmo fim; e ninguém questionava isso. Era a ordem natural das coisas em Rio das Pedras. Os filhos dos fazendeiros e comerciantes locais (além dos filhos dos políticos, que na maioria das vezes, eram os próprios fazendeiros e comerciantes) iam para a única escola privada do município, recebiam uma educação de boa qualidade e seguiam para Paraíso ou Ressurreição, onde ingressavam nas melhores universidades do estado, o que lhes garantia manter sua posição social. Enquanto os filhos das famílias pobres acabavam nas salas de aula sem estrutura mínima do município e recebiam uma educação questionável. Isso quando não abandonavam tudo no meio do caminho.

Assim como a maioria dos jovens das famílias mais carentes de Rio das Pedras, Wesley tinha poucas chances de chegar ao Ensino Médio. Universidade, então, era uma fantasia das mais surreais. Seu caminho era as plantações de feijão.

E a história de Wesley mudou justamente quando ele foi tirado da escola. A atitude do pai, que poderia selar ali o destino do filho, serviu como estopim para uma briga em família. A vida de Judite nunca fora fácil, ela começou a trabalhar nas casas das melhores famílias de Rio das Pedras ainda muito nova, talvez por isso ela sempre sonhara com uma história diferente para a filha. Uma história que nunca se concretizara. Cristina trabalhou por anos como faxineira em vários locais da cidade até se casar com o pai de Wesley, Fabiano (um trabalhador das lavouras de feijão).

Entre Meninos (Romance gay) - Concluído Where stories live. Discover now