Desaparecidas

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Sarah despertou com o cheiro do café com ovos que sua filha Lorena depositou ao seu lado na mesa. Esfregou o rosto e olhou o relógio, mas lembrou-se que ele havia parado no dia anterior.

- Agora são sete e meia, mamãe - disse Lorena, passando-lhe a xícara de café fumegante. - Você dormiu na mesa de novo.

- Desculpe, querida - ela tomou um gole do café, arrumando os cabelos. - é que esse caso é muito... digamos...

- Complicado, eu sei. - Lorena falou, enquanto organizava os papéis sobre os quais Sarah dormira. - Mas você bem que podia trabalhar nele durante o dia. Não te faz bem perder tanto sono, nem dormir nessa posição.

Sarah assentiu e acariciou o rosto da filha, mas nada disse. Sabia que não poderia trabalhar no caso durante o dia; seu comandante a proibira de abandonar os próprios casos para cuidar de meninas desaparecidas. Seu trabalho é solucionar casos de homicídio, não sumiços de garotas.

Mas ela não poderia deixar de lado essa sensação de que algo estava terrivelmente errado. Após o sumiço da filha de sua melhor amiga no mês anterior, ela começou a notar um padrão sutil de desaparecimentos na cidade. Nos últimos três anos, cerca de vinte e oito meninas entre dezessete e vinte e cinco anos desapareceram sem deixar rastros. Nem bilhetes, explicações, nada. O pior é que a maioria vivia uma vida feliz e normal. Mesmo os amigos mais próximos, namorados - e namoradas, para algumas - ficaram atônitos com o sumiço. As meninas pareciam ter evaporado no ar.

- Vá tomar banho mamãe, você ainda tem que me levar para a escola - Lorena falou, quando Sarah fez menção de pegar os papéis sobre a mesa para dar mais uma olhada.

- Tudo bem, já vou - Sarah sorriu, largando os papéis. - Sabe, às vezes penso quem é a mãe de fato aqui. Eu ou você?

- Claro que sou eu - Lorena riu - e trate de ir logo ou vou me atrasar e você vai ficar de castigo, mocinha.

Sarah espreguiçou-se rindo e se encaminhou para o banheiro. Tivera muita sorte de ter uma filha tão responsável. Ainda bem que não puxou para o traste do pai, pensou.

O pai de Lorena era um empresário jovem e encantador que Sarah conhecera quinze anos antes. Prometera-lhe mil e uma coisas diferentes, amor eterno e tudo o mais.. mas quando ela engravidou, o safado fugiu sem cerimônia nem adeus. Seus contatos como policial, no entanto, ajudaram-na a encontrá-lo cerca de um ano depois. Levou-o à justiça e descobriu que ele já era casado. Mesmo assim, após os testes de DNA, ele foi obrigado a pagar pensão. Perdeu a esposa quando ela soube da história e quase todos os bens que possuía com a separação. Nesse dia Sarah se divertiu como nunca.

Imaginou, contudo, como teria sido a história se ela não fosse policial. Provavelmente nunca o teria encontrado, e se o encontrasse, como ele era rico, acusariam-na de aplicar o "golpe da barriga" para enriquecer. Aquela sociedade machista não lhe daria crédito algum. Mesmo sendo policial, ainda ouviu rumores nesse sentido. Bando de babacas, pensou.

No fim, tudo deu certo. Lorena não puxou nada ao pai; era tranquila, inteligente e responsável. Na semana seguinte faria quinze anos, e disse que não queria festas. Mas Sarah não deixaria a data passar em branco, por nada desse mundo. Já preparava uma surpresa apoiada pelos colegas de escola da filha.

Após o banho relaxante ela pegou o carro e deixou Lorena na escola com um beijo. Seguiu para a delegacia ainda pensando na festa da filha. Em determinado momento, porém, voltou os pensamentos para as meninas desaparecidas. Luana, sua melhor amiga, perdera a filha Bella em um sábado um mês antes, e desde então ela não fôra encontrada. Luana estava visivelmente desesperada, chorava todos os dias. Sarah tinha receio de que ela tentasse se matar. Bella era uma menina amável, um pouco mais velha que Lorena apenas. E se fosse minha filha, pensou, o que eu faria?

O CaçadorWhere stories live. Discover now