Divergências

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Sarah desceu à cozinha pela manhã,  atrasada para o trabalho. Lorena, sua filha, já preparava o café da manhã para as duas, fritando ovos em uma grande frigideira cor de madeira.

- Já disse para você que eu faço o café da manhã - Sarah ralhou. - você não tem experiência com o fogão, pode se queimar!  - disse ela, enquanto a filha apagava o fogo.

- Bom dia para você também, mamãe - Lorena respondeu, divertida. - E duas coisas: - ela mostrou dois dedos. - Já estou muito melhor no fogão e você está atrasada. Dormiu demais. Se eu não fizesse o café não daria tempo de ir para a escola.

- Escola, escola... tudo o que fala é nessa escola. - Sarah sorriu. - Não pode ser como uma criança normal e me pedir para faltar ao menos uma vez?

- Eu vou fingir que não ouvi isso.

Sarah sentou-se à mesa enquanto Lorena trazia os ovos mexidos em pratos. Destampou a garrafa térmica e inspirou o doce e agradável cheiro do café matinal.

- Porque não me acordou mais cedo? - Perguntou Sarah, a boca cheia.

- Você tem trabalhado até tarde da noite - Lorena respondeu. - precisa de descanso. Além do mais, seu despertador deve ter acordado a vizinhança inteira, mas você nem se mexeu. Sono pesado.

Sarah deu um muxoxo enquanto provava o café. Acariciou os cabelos da filha.

- Perdoe, meu bem. Sei que tenho trabalhado muito, mas esse caso..

- É difícil, eu sei. Não precisa se desculpar. - Lorena bebericou o café quente.

- Seu aniversário está chegando - Sarah comentou, mordendo um pedaço de pão. Tem certeza mesmo que não quer fazer uma festa? Normalmente os quinze anos são comemorados com um baile muito chique.

- Pelo amor de Deus, me dê tudo, menos um "baile chique". - Lorena balançou a cabeça. - prefiro a coleção completa de Harry Potter ou Guerra dos Tronos.

- Você já tem a coleção completa de Harry Potter.

- Não a versão em capa dura e alto relevo - Lorena sorriu.

Sarah sorriu com carinho. A simplicidade da filha a cativava.

As duas terminaram o café dez minutos depois e saíram apressadas. Sarah deixou Lorena na escola e rumou para a central.

Assim que chegou, apressada, Luan apontou para a sala de Marcos.

- O chefinho quer te ver - disse ele. - e não parece nada feliz. Leve sua arma, só por precaução - brincou, com uma piscadela.

Sarah só jogou a bolsa em sua mesa e rumou para a sala de Marcos. Ao entrar, viu que ele estava ao telefone. Ele ergueu um dedo para ela, pedindo um minuto, e ela sentou-se, aguardando.

- Não se preocupe, eu sei o que estou fazendo - ele dizia ao telefone. - temos uma equipe destacada exatamente para isso. Sim, são ótimos detetives. Não, claro que não! Não será necessário. Garanto que estamos progredindo no caso. Claro, pode mandar, mas garanto que não é necessário. Ok, tudo bem. Você quem sabe. Ok. Até.

Ele desligou o telefone com força. Sarah viu que estava irritado.

- Bem, bom dia, para não ser indelicado - ele começou. - sabe com quem eu estava ao telefone?

- Bom dia, e não, não sei. - Sarah respondeu.

- Bem, para que você saiba, era com o meu comandante. - ele passou a mão nos cabelos. - O prefeito ligou para ele. A cidade ficou em povorosa ontem. Soube das manifestações?

- Não... - Sarah admitiu, um pouco tensa.

- Pois bem. A investigação que você e seu parceiro estão conduzindo está levando a cidade à loucura. Quem deu a ideia estúpida de pegar depoimentos dos familiares de vinte e oito meninas desaparecidas?

Sarah empertigou-se.

- Vinte e nove - ela corrigiu-o. - Com a sua sobrinha são vinte e nove desaparecidas. E não sei o que quer dizer com isso.. como espera que eu conduza uma investigação sem colher depoimentos de possíveis testemunhas e parentes? Não tenho bola de cristal.

- Mas essas pessoas já foram ouvidas - Marcos retrucou. - Tenho aqui depoimentos colhidos com policiais que registraram os boletins de ocorrência quando cada uma delas desapareceu.

Marcos empurrou uma pasta gorda a Sarah por cima da mesa. Ela nem se dignou a pegá-la.

- Já vi esses registros - ela disse. - são inúteis para mim. Muito rasos, cheios de furos e incoerências. Prefiro fazer as perguntas do meu jeito.

- O problema - ele se debruçou sobre a mesa, em direção a ela - é que o seu "jeito" está me dando muita dor de cabeça. Sabia que as famílias que você contatou se reuniram e fizeram uma espécie de "organização" para cobrar os desaparecimentos do Estado? Elas é que organizaram o protesto de ontem.

- E você faria diferente? - Sarah se irritou. - Se alguém que você ama fosse levado, e você só pudesse gritar por ajuda, não faria isso? Eu entendo os motivos dessas pessoas.  E não vou fazer meu trabalho de forma diferente por isso; pelo contrário, vou me esforçar ainda mais em meus métodos.

- Eu mandei que você encontrasse minha sobrinha, não que corresse atrás de cada desaparecimento dessa cidade!

Sarah controlou um impulso de cuspir na cara dele.

- Então quer dizer que as outras meninas não importam para você? - retrucou, com nojo na voz. - Se eu encontrar sua sobrinha estará tudo ok, é isso?

- Você mesma disse que os casos estão interligados - Marcos se levantou da cadeira, ameaçador. - Se descobrir onde ela está, vai encontrar as outras também.

- Eu estou nesse caso por cada uma delas, e para solucioná-lo preciso do máximo de informação possível - Sarah levantou-se também. É assim que conduzo investigações.

- Não está dando muito resultado, pelo visto - Marcos sorriu, irônico. - Conversei com seu parceiro mais cedo. Ele hesitou, mas confessou que vocês não têm um bom suspeito ainda. E ainda disse - ele quase gargalhou - que você está desconfiando de um padre! Como pode isso?

- Ele mentiu para mim - Sarah retrucou. - Tenho certeza. E, caso tenha esquecido, padres são homens como quaisquer outros.

- Não o Padre Pedro - Marcos respondeu. - Foi ele quem celebrou meu casamento, eu o conheço bem. É um senhor de paz. Você não gosta de padres porque nunca se casou, não seria isso?

Sarah refreou um impulso de estapeá-lo.

- Seu casamento não foi tão iluminado por ele, pelo visto.

Marcos a olhou com uma expressão semelhante ao ódio. Ela sabia que tocara em uma ferida profunda; Marcos se separara no ano anterior, e os filhos gêmeos ficaram com a esposa. Ele suspirou e se sentou.

- Esqueça essa história de padres - ele disse - e se concentre nos suspeitos mais prováveis. Sabia que nas estatísticas, a grande maioria das mulheres é assassinada por companheiros? Eu começaria a procurar pelo noivo de Vivian. Já conversou com ele?

- Já, e não o considero suspeito - ela retrucou. - ele tem um bom álibi, nenhum histórico de violência e nenhuma queixa ou indicação de desvio de personalidade pelos seus conhecidos e parentes...

O celular de Marcos tocou no bolso. Ele levantou a mão para que ela aguardasse enquanto ele atendia. À medida que ia ouvindo, contudo, sua expressão endureceu. Ele desligou o telefone e passou a mão pelos cabelos. Parecia perdido.

- O que houve? - Sarah perguntou.

- Acho que você está perdendo o jeito - ele disse, sem olhá-la. - Recebemos uma denúncia anônima. Encontraram o corpo de Vivian na casa do noivo.

O CaçadorOnde histórias criam vida. Descubra agora