Quebra-cabeça

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Sarah fez um bom chá assim que chegou em casa. Tomou um banho, colocou uma roupa leve e foi até a sala, onde jogou as pastas com todas as informações das meninas desaparecidas: fotos, depoimentos, gravações, características... tudo o que tinha sobre o caso. Bebericando o chá, analisou novamente uma por uma. Verificou datas, cruzou depoimentos, contextos, situações amorosas e familiares... tudo de novo.

Estava disposta a tentar olhar o caso de outro ângulo, como Marcos queria. Até decidiu deixar de lado a história do padre; sabia que ele mentira, pois ao contar a história sobre a confissão de Vivian, seus olhos buscaram o lado do cérebro que é responsável pela criatividade, não pela memória. Também mentira ao dizer que não conhecia nenhuma das garotas nas fotos. Sua expressão era de medo; e medo carrega culpa.

Contudo, como Marcos bem dissera, sem provas não poderia acusá-lo de nada. E Sarah estava achando que talvez estivesse mesmo pegando no pé do homem; não gostara dele desde o início, e não sabia porquê. Iria, então, deixá-lo de lado e focar nos desaparecimentos.

As horas seguintes transcorreram rápidas enquanto ela analisava cada documento, cada linha, cada palavra em busca de alguma luz para o seu caso, mas nada lhe ocorria. Desapontada, Sarah espalhou os documentos e fotos pelo tapete para que tivesse uma visão do todo; isso era uma estratégia comum, utilizada para que seu cérebro pegasse pedaços de informações diversas e tentasse unir em algo que fizesse sentido. Nem mesmo isso trouxe alguma teoria à sua mente.

Por volta das cinco da tarde Lorena chegou. Foi até junto da mãe, que ainda olhava fotos com aspecto cansado.

- Boa tarde mãe - ela deu um beijo em Sarah. - ainda no caso difícil?

- Sim, querida. Infelizmente. - Sarah respondeu, cansada. - Se não me vier uma luz até amanhã, esse caso não será mais meu. Não sei mais o que fazer.

- Eu sei - Lorena disse, acariciando os cabelos da mãe. - vamos preparar um bom jantar juntas. Depois vamos comer e conversar bobagens. Você precisa variar os pensamentos.

- Querida, não posso, tenho que rever tudo isso...

- Você já viu tudo isso - Lorena retrucou - e está tudo em sua mente. Você só precisa focar em outra coisa e deixar seu subconsciente trabalhar.  - ela puxou a mãe relutante. - Venha, vai ser divertido!

- Tudo bem, tudo bem. - Sarah concordou. - mas o jantar hoje vai ser bife acebolado.

As duas fizeram o jantar, rindo e jogando conversa fora. Comeram até não poder mais, e como prometido, sentaram-se para conversar bobagens. Depois de algum tempo, porém, Sarah sentiu que deveria voltar ao trabalho. Lorena concordou, relutante.

As horas passaram rápido. Sarah buscou encaixar os desaparecimentos em todo tipo de teoria maluca que vinha à mente, inclusive - com um pouco de vergonha - considerou a possibilidade delas estarem mesmo em outros estados por conta própria.  A imagem de Vivian, dilacerada e morta, no entanto, afastou esses pensamentos.

Por volta das nove horas da noite Sarah jogou tudo para o alto, literalmente. Estava furiosa, pois não conseguira nada. Os papéis, documentos e fotos espalharam-se pela sala.

Nesse momento, como se esperasse isso, Lorena apareceu com uma xícara de chá para a mãe.

- Calma, senhora - disse ela. - assim vai ter um ataque cardíaco.

- Desculpe, querida - Sarah disse, pegando o chá e sentando-se, desconsolada. Não consegui porcaria nenhuma.

- Vai conseguir, tenho certeza - Lorena disse, começando a juntar os documentos espalhados.

A menina pegou algumas fotos no chão, e uma delas lhe chamou a atenção: uma mulher jovem segurava um bebê nos braços ao lado de um homem, todos bem arrumados e sorridentes.

- Mãe, olha que bebê mais lindo! - Lorena comentou, entregando a foto a Sarah. - olha como ele sorri para a câmera!

Sarah pegou a foto e analisou.

- Esse é o pequeno Lucas - comentou. - essa que está segurando ele é a mãe, Rita. É a foto do batizado dele. Ela era jovem, tinha dezenove anos quando sumiu, ano passado... essa é a última imagem dela.

Ela ficou olhando a foto algum tempo. Batizado...

E então a luz subitamente veio. Sarah jogou a xícara vazia, literalmente, sobre o sofá. Pegou todas as fotos espalhadas pelo chão, sob o olhar atônito de sua filha. Juntou todas e começou a separar as que lhe convinham. Depois de juntar as fotos, pegou documentos onde estavam registrados os depoimentos; marcou trechos de alguns deles. Em seguida, levantou-se, sorridente.

- O que foi, mãe? - Lorena finalmente perguntou.

- Minha filha... esse era um quebra-cabeças difícil de montar, porque eu não sabia que imagem formava...  mas quando você me mostrou aquela foto, eu ganhei uma direção. Agora tenho uma teoria sólida sobre que imagem vai ser formada quando eu unir as peças. - ela começou a remexer a bolsa. Pegou o telefone celular. - Deixe-me ver... parece que, para seguir essa teoria, preciso fazer algumas ligações - ela começou a discar um número. - Na verdade, muitas ligações.

- Mamãe - Lorena perguntou, curiosa. - Posso saber que imagem você acha que vai formar?

- Ah, minha filha - ela disse, com um sorriso determinado - acho que vai formar o rosto maldito de um certo padre...

O CaçadorWhere stories live. Discover now