Ritual de caça

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Vadia. Estúpida. Cachorra.
Eram dez da noite, mas o Padre andava de um lado a outro do quarto, pensando na policial que o interrogara ainda pela manhã. Sarah Hoffman. Uma puta audaciosa, é o que ela é.

Abriu uma portinhola escondida no fundo do guarda roupa e retirou de lá uma garrafa do uísque caríssimo que bebia sempre que concluía seu ciclo de assassinato. Colocou uma dose generosa em um copo e tomou de um gole só. A substância desceu como fogo por sua garganta, atiçando sua raiva e ao mesmo tempo clareando suas ideias.

As fotos que a policial lhe mostrara foram um choque e tanto. Todas eram de meninas que ele matara nestes três anos desde que chegara à cidade. Como aquela vadia descobrira - e pior - ligara todos esses desaparecimentos?

Não é possível. Não há como ela saber. Ele tentou se acalmar.

Seus métodos eram minuciosos e certeiros. Ele normalmente se oferecia para celebrar missas pela cidade, principalmente nos bairros periféricos, onde a população era mais humilde e as igrejas não tinham padres. Nessas missas ele escolhia seus alvos, dentre as jovens presentes. Em seguida, gastava seus horários livres da semana rondando o bairro, conhecendo as ruas e moradores. Fazia isso normalmente pegando conduções públicas, com um disfarce simples - óculos de sol, boné... vez ou outra um bigode, além da roupa de cores neutras. Sabia se misturar muito bem na multidão; era invisível enquanto quisesse ser. Confiava também que ninguém o reconhecesse como um padre, afinal ele tinha carro próprio. Quem esperaria que o Padre responsável pela paróquia andasse por aí de ônibus, disfarçado?

Após as semanas de reconhecimento ele buscava descobrir a residência das garotas que eram seus alvos. Quando obtinha essa informação, seguia-as para mapear os locais que frequentavam e os horários que costumavam sair e chegar. Depois de conhecer toda essa rotina, ele finalmente se apresentava a elas, como Padre, sem o disfarce. Esse era seu grande trunfo. Ninguém desconfia de religiosos. Para elas, ele era um santo.

Ele era um excelente orador, sempre fôra. Conseguia convencer as pessoas de quase qualquer coisa que quisesse, e essa era outra vantagem. Ele se encontrava com elas como se nada quisesse, como se fosse por acaso... chamava-as para uma conversa particular e conseguia extrair alguma confissão boba.. coisa de jovens tolinhas. "Briguei com meu namorado". "Minha mãe não me entende", "Não me encaixo em meu grupo de amigos nem na família".... Depois fazia-as prometer que nada contariam sobre o encontro deles, sob o pretexto de que era uma confissão a Deus, e portanto entre eles é que devia ficar. Como eram jovens ativas na igreja, elas normalmente consentiam. Ele então marcava outro encontro em outro local diferente, e levava algum presente - um terço ou coisa assim - e essa bobagem as deixava encantadas. Elas diziam mais uma pá de coisas inúteis, e ele as mandava "orar com fervor", e dizia que faria o mesmo por elas. Com esses gestos simples ele normalmente já conseguia sua confiança total; era aí que ele marcava um terceiro encontro, em um local diferente, sob a promessa de que tinha algo muito especial a dar a elas, e as putinhas ficavam animadas com isso.

No terceiro encontro ele ia de carro; portanto escolhia ruas onde não houvesse tráfego de carros ou pessoas, nem câmeras. Quando as meninas chegavam, fazia-as desmaiar com clorofórmio e jogava-as no porta-malas, levando suas presas ao porão da igreja, onde elas encontravam seu fim.

Raras vezes ele saiu de seus métodos, mas nunca teve problemas. Os fatos de que eram garotas normalmente pobres, e suas famílias não poderiam pagar investigadores particulares, somado à polícia incompetente da pequena cidade o deixava tranquilo com a certeza de que não seria pego.

Até agora. Até essa vadia aparecer.

Encheu de novo o copo de uísque, mas dessa vez bebeu em goles menores e mais demorados.

Cometera erros com as duas últimas vítimas. Vivian era sobrinha do chefe de polícia, fato que com certeza contribuiu para colocá-los para trabalhar. Ele sabia disso, mas mesmo assim a pegou; seu instinto de caçador não deixou que ele a esquecesse. Bella quase escapou.. e quase o nocauteou. E Vivian... essa foi seu maior erro.

Ele não seguira o ritual com ela; simplesmente a vira conversando com o sacristão e seu pênis ficou obsessivo em possuí-la. Não conseguiu se controlar; quando ela saiu da igreja, pegou seu carro e seguiu-a, esperando uma oportunidade. Quando ela pegou uma rua praticamente deserta, ele parou o carro ao seu lado e lhe ofereceu uma carona. Como ela o conhecia, aceitou prontamente. Ele então a sequestrou e matou.

Não devia ter feito algo tão estúpido. Ela tinha acabado de sair de sua igreja, coisa que com certeza atrairia os policiais até lá, como de fato ocorreu.

Mas disso eu posso tirar vantagem, ele pensou. Há males que vêm para o bem.

Ele depositou o copo na mesa de cabeceira, pensativo. A mente mais calma depois do uísque formulou os fatos e começou a bolar um plano. Ela de alguma forma ligou todos os desaparecimentos, então tenho que quebrar essa ligação... dar outro foco, bagunçar as teorias.

Ele então soube o que fazer. O súbito clarão de uma ideia boa o animou; guardou o copo e a garrafa no esconderijo de sempre e se encaminhou para o cemitério atrás da igreja. Abriu o galpão, pegou a pá e foi até o túmulo onde depositara Vivian.

Não contava que a veria de novo tão cedo; na verdade, estava certo de que nunca mais a veria. O mundo dá voltas.

A terra ainda estava macia quando ele começou a cavar.

O CaçadorWhere stories live. Discover now