Capítulo 1

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Quando eu tinha 7 anos, costumava ficar horas ao anoitecer olhando para o céu. Imaginando o que fazia as estrelas serem tão lindas e brilhantes. Eu sonhava em poder tocar nelas um dia, até que em um certo ponto da vida, o brilho delas se tornou totalmente irrelevante para mim.

Flashback on: Lembranças da infância.

-Pai no céu tem tomada?

Meu pai me olhou confuso por alguns segundos e me perguntou.

-De onde você tirou isso princesa?

-Ah! é que sem uma tomada, não teria como alguém ligar as luzes das estrelas de noite.

Após ouvir minha explicação, ele gargalhou alto sem parar da minha teoria, e obviamente não entendi o motivo do riso, então continuei olhando para ele. Até o momento em que ele conseguiu parar de rir, sentou-se ao meu lado no chão, e me disse:

-Filha, o brilho das estrelas se resume em boas ações que fazemos diariamente.

Olhei para ele confusa, ele afagou minha bochecha carinhosamente e disse .

-Cada vez que cometemos um ato de bondade, Deus fica tão contente que faz surgir uma nova estrela. É claro que não é tão simples conseguir. Pois o ato tem que ser espontâneo e sem esperar recompensas alheias. E então a noite ela irá surgir no céu.

Ficamos em silêncio por alguns minutos, apenas observando o céu. As palavras do meu pai não saíam da minha cabeça.
Um tempo depois meu pai e eu entramos, pois mamãe iria servir o jantar em breve. Assim que adentramos a casa, papai me mandou lavar as mãos. Obedeci, e quando voltei mamãe já tinha servido o jantar.
Como sempre, sentamos a mesa e antes de comer começamos uma oração, para agradecermos pelo alimento, por todos estarmos vivos e juntos.
Comemos tranquilamente em silêncio, depois ajudei mamãe a retirar os pratos da mesa, e fui escovar os dentes.
Quando terminei, Sentei em minha cama e observei mais um pouco o céu estrelado, pela grande janela do meu quarto. A noite aqui na roça é sempre muito silenciosa e tranquila, eu era feliz aqui.
Apesar de não ter amigos.
Já que existem bem poucas crianças nessa região. Mas mesmo assim, eu gostava da paz, dos animais, da vista, dos sons que os pequenos insetos faziam. Era um lugar muito bonito e a natureza definitivamente era a melhor parte. Minha casa era simples, não tinha luxo mas o amor que os meus pais me davam, era melhor do que qualquer dinheiro do mundo.
Deitei em minha cama e ainda observando a noite fui pegando no sono. Como todas as noites dormíamos cedo, pois meu pai levantava as 4:00 para cuidar do campo, dos animais e depois ir até a cidade vender o mel e as hortaliças que cultivamos.

Acordei com barulho de coisas caindo, me levantei meio assustada e abri a porta do meu quarto bem devagar. Desci as escadas até menos da metade dos degraus, e através do espaço das madeiras do corrimão, consegui ver que haviam três homens armados. Um deles gritava e chutava o meu pai que já estava todo machucado. Enquanto o outro, segurava minha mãe pelos cabelos. O terceiro procurava alguma coisa nas gavetas.
Segurei o choro quando um deles colocou a arma na cabeça do meu pai. Eu estava prestes a descer, e então meu pai me viu e sussurrou um fuja para mim, mas eu estava apavorada demais para reagir.
Então continuei a observar, vi quando o homem que segurava minha mãe começou a rasgar sua roupa, meu pai reagiu tentando impedir que aquele homem fizesse mal a ela e o outro homem deu um tiro na cabeça dele. Meu pai caiu no chão. E minha mãe chorava descontroladamente, eu estava paralisada de medo e pelo choque de ver meu pai naquele estado. Enquanto isso, os três homens se divertiam com o sofrimento da minha mãe. Quando pararam de rir, os três homens bateram nela e a estupraram enquanto ela gritava e tentava impedir que eles continuassem. Quando terminaram deram um tiro em seu peito, naquele momento fechei os olhos com as mãos em uma tentativa de fazer aquele pesadelo acabar. Meu desespero era sem tamanho.
Quando tirei as mãos dos olhos, sentir meu rosto molhado pelas lágrimas, pois sabia que meus pais estavam mortos. Ao perceber que eles passariam pela escada e iriam me ver corri para o guarda roupa e me escondi lá. Eu chorava baixinho, pois tive medo que me matassem também.
Após ficar pelo menos 2 horas trancada no guarda-roupa, saí do quarto devagar e fui até a cozinha onde meus pais estavam, caminhei até o meu pai e toquei sua face que quase não era possível ver, pois havia muito sangue, logo soube que definitivamente ele estava morto pois sua pele estava gelada. Depois fui até minha mãe e chamei ela, toquei em seu rosto, mas ela estava gelada e também não respondia. Então percebi com desespero, que eu nunca mais voltaria a ver meus pais de novo.
Chorei desesperadamente, pois não sabia o que fazer. Depois de um tempo me lembrei do vizinho e corri sem parar em direção a casa dele, em busca de ajuda. E a cada vez que eu piscava os meus olhos a terrível cena da morte dos meus pais tomava minha mente, eu queria gritar apenas para me livrar daquela dor insuportável, que fazia meu peito queimar de modo tão sufocante, mas no fundo eu sabia que não mudaria nada.
Assim que cheguei a casa de um dos vizinhos, que não era tão longe da minha, bati na porta várias vezes eu estava desesperada, e temia que aqueles homens voltassem. Alguns segundos depois, um senhor que era amigo do meu pai abriu a porta, e ao me ver, seu olhar era de preocupação, em especial por que minhas mãos estavam sujas de sangue, sem consegui mais segurar, o abracei com força e chorei desesperadamente, até o momento em que consegui me controlar e contar tudo o que vi, ele imediatamente ligou para a polícia, e logo minha casa estava cheia de gente, e a partir daquele dia eu sabia que a minha vida, nunca mais seria
a mesma.

Flash back off.

Hoje ao longo dos meus 21 anos, tenho um bom emprego sou secretária executiva de uma das melhores empresas de multimídia do país, tenho uma boa casa, um carro moderno e todo conforto para viver bem. Embora isso não faça a menor diferença para mim. Após assistir meus pais serem assassinados bem na minha frente, eu simplesmente perdi qualquer sentimento de fé e esperança, é como se dentro de mim não existisse mas nenhum sentimento bom, tudo em mim é vazio e sem cor .
Por muito tempo questionei a existência de Deus, mas depois de um tempo apenas constatei que ele nunca existiu. Que na verdade ele é apenas uma lenda, que pessoas desesperadas inventaram para ter algo para acalmar suas aflições. Então assim como qualquer pessoa sensata faria, eu segui em frente sem toda essa bobagem espiritual. Embora o vazio e a saudade dos meus pais sempre me machuquem, eu ainda estou aqui, de uma forma ou de outra de pé, apenas fingindo a cada dia um sorriso firme e vitorioso, que todas as noites treino no espelho.

MariaWhere stories live. Discover now