Capítulo 3

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Meus olhos estavam fixos na mesma placa do estacionamento há pelo menos dez minutos, e não porque havia algo de interessante em tinta descascada e uma palavra indecifrável. Na verdade, eu estava seguindo o tal manual de inspirar e expirar para controlar a raiva, mas era óbvio que essa merda não estava funcionando, já que a única coisa que eu queria fazer era entrar naquela delegacia e esganar uma pessoa.

Depois que eu assisti àquela matéria no jornal, não tive um segundo pensamento sobre voltar ao trabalho. Apenas confirmei minhas suspeitas numa ligação rápida e quando dei por mim, já estava do lado de fora do prédio cinza com tijolos vermelhos.

Mas ficar dentro do carro não adiantaria nada também, afinal problemas não se resolvem por mágica, você precisa andar e encarar o que a vida te oferece, mesmo que isso acabe com você quebrando a cara de alguém.

— Boa noite Sanches! Voltou rápido, hein! — a assistente da recepção, Julia, me cumprimentou com seus cabelos avermelhados e jeito atirado.

— Preciso verificar umas coisas. — respondi com um tom plano, não dando muita abertura para conversa fiada. — O Tales está aí?

— Ah sim, ele acabou de passar por aqui. — eu senti o seu desdém pelo rapaz e normalmente eu não me importo com a relação do pessoal dentro da delegacia, mas dessa vez eu concordei com a garota.

Sem nada além de um aceno de cabeça eu fui atrás do escrivão que estava de plantão hoje e o encontrei com o celular na mão, digitando algo furiosamente na tela. O Tales não era uma má pessoa, mas o seu comportamento relapso e obviamente egoísta me deixava com um leve sentimento de aversão sempre que o encontrava.

— Tales, preciso falar com você. — tentei disfarçar minha raiva no tom de voz.

Minhas palavras não foram suficientes para fazer o homem de cabelos cacheados e barriga saliente tirar os olhos da tela do aparelho. Com a pouca paciência que me restava, eu peguei um dos grandes arquivos que estavam próximos e atirei o bolo de papel no tampo de madeira da sua mesa, causando um barulho alto.

— Ai meu coração! — o homem disse com um sobressalto, colocando a mão no peito.

— Só assim para você voltar ao mundo real! — eu perdi o controle e aumentei o tom de voz, atraindo alguns olhares. — Quero falar com você na minha sala.

Ser o centro das atenções nunca foi a minha coisa favorita no mundo, por isso eu caminhei até a sala de divisórias na cor bege e vidro coberto de persianas. Meu espaço de trabalho era escasso de móveis, apenas uma mesa simples com computador e armários abarrotados de papéis e pastas. E eu fiquei feliz por isso, pois se eu tivesse sofá ou qualquer poltrona aqui o Tales já teria se acomodado e a intenção era que ele ficasse o completo oposto de confortável.

— Pois não chefe? — ele ficou prostrado atrás da porta recém-fechada, com uma cara de pateta que só serviu para me irritar.

— Tales, eu vou ser direto. Que merda você faz durante o expediente? Porque o seu trabalho não pode ser! — eu disse de forma brusca.

— Ahñ, não eu entendo...

— Deixa eu te explicar então! Quando eu saí desse prédio, umas horas atrás, tinha uma senhora com você, não é? — esperei um gesto afirmativo dele para continuar. — Então por que é que eu tive que ver no jornal que ela não conseguiu fazer um B.O.?

Eu vi a expressão dele relaxar um pouco, como se ele soubesse a resposta certa da pergunta na prova e eu fosse o professor que duvidasse da sua capacidade.

— Mas aquela lá veio atrás da filha! Imagina só, a menina deve estar na farra e mulher vem perturbar a nossa paciência!

— Aquela lá é quem paga o seu salário. — eu apontei para o rosto dele. — E o mínimo que deve ter é respeito! Além disso, a sua obrigação nessa delegacia é registrar todas as ocorrências, se uma abelha vier reclamar da picada de um pernilongo você faz o seu trabalho! Entendeu?!

Acordo do Destino #4 (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora