Capítulo 4

2.8K 514 80
                                    

Um feixe de luz, que atravessou a cortina, me despertou de um sonho confuso sobre glacê e bonecos de noivos, algo totalmente fora do comum e da realidade. Uma amostra do quão mal eu dormi, já que eu ainda me sentia cansado, como se o peso do mundo estivesse sobre os meus ombros.

Como hábito, me levantei da cama, estalando os ossos, pronto para iniciar mais um dia. Lá fora, os sons típicos de uma vizinhança tranquila me faziam agradecer por ter mantido a casa antiga dos meus avós.

O lugar carregava lembranças da minha infância em cada cômodo, mas era o jardim o meu canto preferido. Por isso, todas as manhãs eu vinha com a minha caneca de café para a varanda dos fundos e passava longos minutos admirando o colorido das plantas. Minha terapia matinal, antes de partir em uma corrida pelo bairro.

Um arranhar vindo da lateral da casa me alertou da presença do meu novo melhor amigo, por assim dizer. O gato maltrapilho com grandes olhos verdes, que se destacavam em seu pelo preto, caminhava pela varanda como se fosse o próprio rei da selva.

— Você é mais pontual do que um relógio suíço, hein Gato. — eu disse para o animal, já estendendo as tigelas com água fresca e ração. E em resposta, eu recebi um miado desdenhoso. — Nem sei por que te alimento, seu folgado.

O Gato tinha aparecido um dia no quintal, apenas pele e ossos, miando de fome, até que eu ofereci uma lata de atum que tinha na cozinha e desde então, o bicho ia e vinha como se a minha casa fosse um drive thru.

— Desfrute do café da manhã, ingrato peludo. — o animal eriçou os pelos com a minha tentativa de fazer algum tipo de carinho nele. —É por isso que eu não tenho bichos de estimação.

Eu levantei da cadeira e entrei no silêncio da casa, em busca do meu par de tênis surrado e celular. Assim que estava pronto para sair, comecei a me alongar em frente ao portão de ferro da casa antiga e logo comecei a receber os cumprimentos das senhoras da vizinhança.

— Bom dia Vinicius, está calor hoje não é menino?! — a Dona Joana, minha vizinha da frente, disse ao varrer algumas folhas da sua calçada.

— Sim, mas isso é só para trazer chuva no final do dia. — eu respondi com educação, mas não querendo alongar a conversa.

— Bom dia menino! Já vai correr? Queria ter essa disposição! — minha vizinha do lado direito Dona Luísa, disse com um leque nas mãos.

— Faz bem para a saúde! — eu respondi ao tempo em que esticava os braços.

— E que saúde, hein! — uma delas disse em tom baixo, mas eu fui capaz de ouvir e instantaneamente ficar envergonhado, afinal, aquelas senhoras tinham idade para serem minhas avós.

— Ér, eu, hum, vou indo. — apontei para a calçada com total embaraço antes de começar a minha caminhada.

Estar em movimento era a minha maneira de clarear os pensamentos, apenas eu e a cidade ainda adormecida, meus pés no asfalto e o vento no rosto. Normalmente, minha mente ficava completamente inerte nesse momento, no entanto, hoje eu tinha um furacão de ideias criando um caos na minha cabeça.

Eu já sentia o cansaço de percorrer quilômetros, quando avistei, do outro lado da rua, uma figura colando folhetos em um poste. Mesmo a distância, era possível notar o sofrimento que estampava o semblante da mulher. Esse detalhe já seria o suficiente para que eu a identificasse, mas a minha memória tinha gravado aquele rosto triste desde o primeiro momento em que eu a vi.

Por isso, eu não pensei duas vezes antes de atravessar a rua, com total descuido, para chegar até a senhora que foi negligenciada pelo idiota do Tales.

Acordo do Destino #4 (DEGUSTAÇÃO)Where stories live. Discover now