Prólogo

423 61 15
                                    

  Tudo estava girando e girando, sem parar, sem me preparar para o que viria a seguir. Minha cabeça fixa em um ponto preto específico ao longe; nada mais importava além do ponto fixo, aquele maldito ponto onde meus olhos estavam vidrados, sem arriscar piscar. Posicionei os pés ao chão e me preparei para o salto tão treinado. Tão conhecido por cada músculo trabalhado do meu corpo

  O Salto que definiria minha vida. Que arruinaria ela de um jeito avassalador. Que me tiraria uma das minhas maiores alegrias, uma das minhas maiores paixões. Que me deixaria sem rumo e sem saber ao certo para que direção olhar, já que não existia mais um ponto.

  Algo que facilmente levou aquilo que tanto batalhei durante anos, como a água do chuveiro levou minhas lágrimas tantos dias depois disso. Um simples sopro que apagou a vela acesa dentro do meu peito, que continuava querendo acender e incendiar meu corpo e tudo à minha volta.

  O ar não foi capaz de me erguer por tempo o suficiente para que eu pudesse terminar com os pés no chão, encerrando uma dança, mas dando início a um sonho tão forte que me moveu todas as manhãs e incansáveis noites. Que por anos foi meu único alívio, meu único ar.

  Um... dor....dois...dor...três...dor

   Minha respiração entrecortada, doendo a cada fôlego que eu empurrava para meus pulmões. Mas me mantinha acordada, contar a respiração. entender que estava acordada, sentindo a dor lancinante, o barulho dos sonhos quebrando; se tornando frangalhos.

   O chão é duro e gelado, abatendo cada parte do meu corpo que mesmo depois de clamar por anos, nunca descansou, abatendo cada parte que sempre desejou aquilo que estava tão próximo de mim, mas que agora se via tão longe, em uma outra realidade.

   Não naquela onde um médico diria que iria precisar de fisioterapia por meses para poder andar e que meu maior amor já não seria algo tão fácil, mas quase inalcançável naquele momento. E que mesmo depois da consulta, eu continuaria quebrada internamente, enquanto tentasse esconder e afogar cada parte da pequena bailarina que queria e precisava colocar aquelas sapatilhas dentro de mim.

   Meu mundo desaba sobre meus pés, não me deixando ver nada, mesmo que tudo pareça rodar lentamente sobre meus olhos escuros. As vozes surpresas pelo inesperado acontecido, pelo acidente na frente dos seus olhos, da menina que tinha tanto potencial, mas que se apagou como uma luz.

   Eu não receberia aplausos naquela noite. O único barulho que iria ouvir e guardar na memória seria da sirene da ambulância me levando, das lágrimas desmanchando a maquiagem perfeita enquanto os paramédicos rasgavam a meia calça fina, e minha respiração enquanto ouvia o meu tendão sendo destroçado.

Cada ensaio

Cada coque

Cada música.

Cada sapatilha

Cada collant

Cada parte do meu pé em carne viva

Cada noite mal dormida ensaiando

   Todo o amor que sempre tive pelas notas tomando conta do meu corpo e me comandando por uma dança mágica, onde o mundo se apagava e só sobrava eu ali, dançando, sendo tomada por uma onda de felicidade inexplicável.

    Tudo passa na frente dos meus olhos, se quebrando e sendo deixados em um passado amargurado enquanto escuto meu corpo chegando ao limite até a lesão, onde não há mais volta e não será apenas uma dor muscular. Enquanto vejo minha família desesperada por notícias minhas, não se importando com a minha carreira que ali se acabava, mas apenas com a menina que ali ia junto, mesmo que não mostrasse. Tudo acaba.

E os laços são rompidos.

Sobre laçosWhere stories live. Discover now