- Bom dia alunos. Como foram as férias? - O professor de física entra e se choca com a cena. Deixa sua bolsa na cadeira. - Eu queria apresentar para vocês a nossa nova colega, Jessica, mas acredito que Bernardo já á conheça. - Aquela inútil da Jessica apenas sorri e volta pro seu lugar. Ao lado de Bernardo. É brincadeira?
- Maria Luiza. Acessórios não são permitidos. Tire seus óculos para que possamos ver esses seus maravilhosos olhos castanhos-mel. - Ai se fosse um elogio. Mas do jeito que ele fala parece até um palavrão.
De má vontade tiro os óculos e me ajeito numa posição confortável na cadeira.
- É impressão minha ou você e o Bernardo tomaram um porre ontem? - Bruna pergunta baixinho.
- Porre? Terminamos, Bruna. Se bem que nem tínhamos nada... - Penso alto.
- Nossa! Não... - Ela não termina porque o professor nos olha com uma cara horrível.
- Poderiam dividir a conversa maravilhosa conosco?
- Desculpe profes... - Alguém se mete e não me deixa terminar.
- Ela terminou com o Bernardo ontem, Professor. - Comenta Lana, uma idiota que me odeia. Que por algum acaso do destino estava atrás de mim ouvindo tudo. - E agora ele já está com a senhorita Jessica sentada em seu colo. Que coisa linda. - Ele reclama e eu sinto meu rosto esquentar.
Os alunos vaiam e sinto uma vontade de enfiar minha cabeça num buraco.
- Você pode concentrar na aula e deixar esses assuntos pra depois?
Ele não me deixa responder e continua.
Não presto atenção em nada.
Tem aula mais entediante do que teórica de Educação Física?
Finalmente o intervalo toca. Saio da sala junto com Bruna.
- Malu, vou comprar um café expresso, eu já volto.
- Tudo bem. - Digo e saio caminhando em direção ao pátio aberto.
Meu telefone toca. Daniel. Atendo.
- Que porra é essa?
- Oi, bom dia.
Saio andando pra um lugar mais afastado, onde ninguém possa nos ouvir.
Sento em um banco vazio.
- Malu, eu tenho que te avisar. O Juan morreu.
- O quê? - Finjo estar assustada. - Como isso aconteceu?
- Não sei. Mas Juan dispensou os guardas ontem a noite. Parece que quando você saiu da casa dele, alguém foi lá e... - Meu Deus, eu devo ter um anjo da guarda maravilhoso.
- Tudo bem. Vamos resolver isso, Daniel. Apenas calma...
- Estou calmo. Você quem não deveria ficar. - Franzo o cenho. - Você é a sucessora da máfia. O cargo agora é seu.
- Meu? Meu nada! Eu nem queria isso mais pra mim! - Não consigo ficar sentada. Apenas começo a vagar.
- Se acalme, Malu. Eu estou chegando ai. - Não consigo raciocinar direito.
- Aqui... - Tento me manter calma. Mas sou eu a sucessora dele. É uma hierarquia: quando o mais alto cai, alguém tem que assumir seu lugar. Claro que não vai dar certo. - Eu tenho a próxima aula vaga. Vamos conversar.
Bruna chega e me avisa que vai acabar um trabalho com seu grupo e pergunta se me importo de ficar só.
-Não, pode ir, Bru. Tá tudo bem. - Começo a mexer no celular para me distrair.
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- Cheguei. - Olho para os lados assustada e sinto alguma coisa estranha.
No meio da área está Bernardo. Ele está comendo alguma coisa com Jessica. Mas mesmo conversando com ela, ele me olha. Viro a cabeça para o outro lado e vejo Daniel.
Sorrio para ele. Daniel. Meu braço direito.
- Eu não quero nada disso. - Falo fracamente. - Eu quero ter uma vida normal. É pedir muito?
Ele puxa uma cadeira e se senta ao meu lado.
- Ninguém mandou você me procurar quando estava afim de aventuras.
- Não pensei que essas aventuras me levariam a matar alguém. Eu só queria ver o mundo de uma forma diferente.
Tenho vontade de chorar. Mas eu não posso fazer isso. Não posso desmoronar. Daniel me abraça e por mais que ele não fosse a pessoa ideal, foi a única que me entendeu. Que sente o mesmo peso que o meu.
O abraço forte e me deixo chorar.
- Precisa fazer isso.
- Eu não sei como cuidar de traficantes ou matadores, Daniel.
- Bom. Acho que somos a parte boa da conversa. Imagina quanto mala-suja a gente vai ter que aturar daqui em diante? - Enterro meu rosto no seu peito, mas acabo sorrindo. - Acho que a gente nem conhece o lado ruim, Malu. Acho que o que a gente vive é só a pontinha do Iceberg, sabe? - Assinto.
- Que profundo para um mala-suja. - Ele joga a cabeça para trás e ri, sem nunca me soltar.
- Eu nunca fui preso. Minha ficha está limpinha. Acho que sou um homem... dentro da lei.
- Na lei? - Debocho e rio. - Quantas pessoas você já matou, Daniel? - Ele sorri meio torto e me solta.
Sinto falta.
- Vamos. - Hesito. - Vem comigo. Vou te mostrar algo.
Daniel segura a minha mão, e de relance eu vejo Bernardo me encarando com um olhar assassino. Sorrio como quem diz: não temos mais nada, tapado.
Corro junto com Daniel quem nem percebe o que está acontecendo e entramos num dos prédios da escola. Entramos na primeira sala vazia e ele abre uma persiana. Deixando o sol entrar.
- Olha. - Ele levanta a camisa e eu posso ver algumas tatuagens em suas costelas. São bem pequenas. Ao total tem cinco linhas. Como um código de barras.
- Uma pra cada pessoa que matei. Quero nunca me esquecer de cada um. Quero me lembrar exatamente como foi. Por que pelo menos uma pessoa tem que se lembrar delas. - Ele abaixa o olhar, mas consigo captar dor em sua voz.
Uma súbita loucura passa por mim.
- Eu quero fazer uma tatuagem dessas. - Ele franze o cenho. - Eu não pretendo matar mais ninguém. Mas eu quero me lembrar, Daniel.
- Malu, eu acho...
- Nem vem. O corpo é meu. E um filetinho desse nem deve doer tanto. Vem comigo!
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Sucessora da máfia - finalizado
RomanceSão duas horas da manhã. Amanhã, na verdade hoje, ás cinco horas, irei conferir um carregamento de maconha a ser traficado para o Rio de Janeiro. A Copa do Mundo vai nos dar muito lucro. São duas horas da manhã e não consigo pregar o olho. Fico pens...