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"Eu tento não pensar
Na dor que sinto por dentro
Você sabia que costumava ser meu herói?"
- Perfect, Simple Plan

Eu sabia que as coisas estavam ruins desde o momento em que acordei naquele dia. Minha família me encarava a cada movimento e eu estava extremamente nervosa. Já não bastava ser o dia mais importante da minha vida, eles precisavam deixar pior. Afinal, para que serve nossos familiares se não para deixar tudo pior?

- Mais tarde... - começou mamãe, mas a silenciei com a mão.

- Eu sei. - peguei minha mochila e sai de casa, indo em direção a floresta, meu lugar favorito. Morar no meio do nada tinha certas vantagens, mas não com uma família como a minha. Os Malie nunca te deixavam ter privacidade.

Caminhei até que tivesse certeza que a única pessoa que podia me ouvir eram as árvores, o vento e alguns esquilos perdidos por ali. Quando isso aconteceu, me sentei e abri a mochila, tirando meu caderno e caneta.

- Aqui vou eu. - tentei me encorajar em vão. As palavras fluíam como água enquanto minha mente se afundava em preocupação.

Dor

Luz

Trevas

Ardor

Amor?

Poder

As palavras saiam de mim. Não se conectavam, não tinham um sentido. Era como se meu corpo tentasse entender minha mente e meus sentimentos ao mesmo tempo. Confusão seria a palavra ideal.

O vento aumentou e fez folhas cobrirem o caderno. Meu cabelo se embolou em um nó e olhei para cima. Parecia que horas haviam se passado. Franzo minha testa.

- Achei você. - ouvi a voz de Nathalie, minha prima caçula. Em seus 10 anos, ela era bem mais inteligente que metade da família, sem falar em mais bonita.

-Como? - pergunto com um meio sorriso.

- Eu te conheço. - ela colocou as mãos em seu quadril fino e fez a maior cara de orgulho que já vi em minha vida. Meu sorriso se alarga.

- Hora de ir? - o orgulho em seu rosto pequeno é substituído por nervosismo. Sinto que nossos sentimentos são sólidos e se misturam no ar, tornando-se lentamente um só.

- Sim. - seu tom é sombrio. A tensão aumenta e eu poderia até mesmo pegá-la em minhas mãos. Me levanto lentamente, limpando a sujeira de minha calça jeans. Dou uma última olhada para a bela floresta que fez parte da paz interior que cultivei durante anos e me afasto. É tarde demais quando noto que esqueci minha mochila e todas minhas boas lembranças ali em minha mochila no meu canto zen. Eu devia saber que era um mau presságio.

✰✰✰

Meus pais, avós, tios, primos e afiliados estavam todos no quintal da mansão da família. Nenhum deles virou para olhar para mim e Nathalie quando nos aproximamos. Eram como se houvesse 14 novas estátuas estranhas e gigantes no jardim, todas na mesma pose encarando a noite estrelada.

- Aqui, querida. - chamou minha mãe, finalmente se movendo. Meus pés parecem pesar 50 quilos cada um à medida que eu me aproximava do estranho círculo formado pelas pessoas que me ajudaram a me tornar quem sou.

Paro no meio daquela roda e olho para o rosto de cada um dos presente. Algo dentro de mim me dizia que eu deveria olhar atentamente para eles, recordar cada mínimo detalhe e me preparar para o que viria a seguir.

Não posso dizer que lembro o que aconteceu a seguir. Os poucos flashes que tenho daquela noite se resumem a todos cantando a estranha cantiga em latim, seguido por um desmaio breve e gritos. Meu avô gritava com minha mãe, exigindo que ela se explicasse e meu pai me encarava com dureza, a mesma frieza que me seguiu por toda minha vida, como se ele estivesse constantemente decepcionado comigo.

- Você vai embora. - sua voz era ainda pior do que sua expressão deixava transparecer. Desprezo é o melhor adjetivo para descrever o tom que ele usou. - Você vai embora e nunca mais voltará, Alexandra. Você não tem mais família, não volte nunca mais, não tente nos contatar, nem mesmo cite nosso nome. Você não é minha filha.

E tudo ficou preto.

✰✰✰

- Garota. - sinto uma dor aguda em minhas costelas quando alguém me chuta com nenhuma delicadeza. - Acho que está morta.

Abro meus olhos de supetão, fazendo os dois garotos pularem e gritarem. Olho em volta, assustada e confusa. Os flashes passaram em minha cabeça. Canção. Desmaio. Gritos. Expulsa de casa. Banida da família.

Me sento com lentidão, minha cabeça ainda girando. Vejo que estava deitada sobre uma mala pequena e reprimo a vontade de bufar em frustração. Era como se alguém achasse que a bolsa com algumas vestes faria com que o despejo ficasse mais tranquilo para mim.

- Ótimo. - foi a única coisa que consegui falar. Uma sombra cobriu a luz do sol e percebi que os dois meninos criaram coragem de se aproximar. Um deles tinha um galho grande em sua mão, o que me fez reprimir um riso.

- Quem é você? - disse o do galho em uma tentativa de soar corajoso, mas sua voz saiu algumas oitavas mais agudas.

- Sou seu pior pesadelo. - abro meu melhor sorriso angelical e arranco o pedaço de pau de sua mão, fazendo os dois saírem correndo e minha gargalhada escapar mais alta do que o planejado.

- Ei, você. - ouço uma voz de homem mais velho chamar e me viro para ele. - Saia dai.

O policial parece irritado e não estou na minha melhor forma para lidar com ele, o que me deixa com a única opção de sair daqui. Levanto apressada e caminho rapidamente até o beco mais próximo.

É óbvio conforme caminho que não estou mais em minha cidade. Ninguém pareceu se preocupar em me informar em qual eu estou, mas acabo por achar um hotel de segunda mão para ficar. No momento em que entro no quarto e tranco a porta me permito desabar em lágrimas. Era demais para mim. Eles agiram como se a culpa fosse minha, como se eu fosse culpada pelo que houve. A promessa silenciosa de sofrer por isso apenas hoje foi celada e, assim, passei o resto da noite até a alvorada deixando o pranto escorrer por meus olhos.

Angel In Me | H.SOnde histórias criam vida. Descubra agora