A dor da perda

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- Monspiet já esteve aqui, podia parecer tranquilo, mas creio que não estivesse completamente assim. - Gery comentou.
- Por quê?
- Fiquei sabendo que veio até aqui com mais quatro tripulantes, para explorar a região mesmo, mas apenas ele saiu vivo.

Após alguns minutos andando, o lugar não parecia mudar, porém sons surgiram. Não eram sons altos e claros, mas o suficiente para se saber que uma terceira criatura estava ali.
Celine procurava até onde seu olhar alcançava. Olhou para cima e lá estava. Um goblin pronto para atacar.
Após seus olhares se encontrarem, o pequeno ser atirou na direção dos dois sua espada curta. Sem pensar muito, Celine revidou o ataque, matando rápido a criatura, o que a deixou orgulhosa de si mesma.
A garota olhou o corpo caído, se aproximou na intenção de revistá-lo. Encontrou cinco moedas de ouro, que guardou em seus bolsos.
Continuaram a caminhar, inevitavelmente reparando que o espaço diminuía na proporção em que seguiam. O corredor estava começando a ficar pequeno demais para que seguissem normalmente. Logo, após Gery bater sua cabeça em algo que parecia muito mais duro que o próprio chão em que pisavam, repararam uma passagem no teto - que lembrava um alçapão - feita de pedra.
- Não posso mais seguir. - Gery, que possuía dois metros e oitenta de altura, parara de andar.
- Vai ficar bem aqui? - o tom de Celine era quase suplicante para que continuasse.
- Vou ficar bem. Daqui a pouco vou subir e te ajudar. - disse calmo. Com muita dificuldade, afastou a pedra que bloqueava a abertura acima de suas cabeças - Suba. - fez um gesto para que Celine se apoiasse nele e chegasse até o espaço desconhecido.
A garota assentiu, subindo. Olhando em volta, inesperadamente observou uma pequena cascata, perto dela, dois zumbis. Após reparar bem, para sua surpresa, eram dois membros de sua tripulação.
Pensou em dar a volta, afinal, se passasse pela água de maneira discreta, talvez não a vissem.
Reuniu toda sua coragem. Afinal, não seria tão difícil assim.
Errado.
Lentamente se deslocou até a água, evitando olhares. Sentiu a água gélida molhar suas botas. Deu um passo. Mais um. Outro e... Droga!
Ao dar a passada, a garota tropeçara em uma pedra e caíra, por consequência a água fizera muito barulho, mais do que deveria. Antes que pudesse evitar, os zumbis lançaram seus olhares sobre Celine e começaram a se arrastar até ela, o que despertou certo temor.
Antes que pudesse pensar seu primeiro ataque, um dos zumbis tentara se lançar sobre a garota que, apesar do nervosismo, conseguiu se esquivar. O momento foi perfeito para que pegasse sua maça e batesse contra o braço do mesmo, arrancando-o facilmente. Ao reparar, Celine percebeu sua arma e punho sujos com o que ela chamaria de "sangue morto".
O outro zumbi igualmente se lançou sobre a garota, que novamente conseguiu desviar.
Nesta troca de ataques, um dos mortos-vivos derrubara Celine, que revidou batendo com sua arma na perna do mais próximo, em seguida lançando sua maça sobre sua cabeça, fazendo com que seu corpo caísse imóvel sobre a água.
Por estar distraída com o corpo no chão, não percebeu a aproximação do que restara. O zumbi conseguiu abocanhar a mão esquerda de Celine, puxando e arrancando o membro junto de seu antebraço.
A garota urrava de dor e encarava seu braço que sangrava e deixava à mostra parte do seu osso e músculo.
Tomada pela fúria, Celine levantou-se rápido e bateu com sua maça na cabeça do morto-vivo, vendo o corpo caindo rente ao chão.
Caiu de joelhos largando sua arma. Sabia algumas magias de cura que poderia usar em seu ferimento para que a dor cessasse. Fez como haviam lhe ensinado, logo vendo surtir o efeito.
Se levantou e continuou a explorar o local.
- Celine? - uma voz conhecida quebrou o silêncio.
A garota escondeu seu braço atrás das costas. Afinal, a última coisa que queria era causar preocupações.
- Gery. - sorriu - Você está bem?
- Estou. - ainda estava um pouco ofegante por conta da escalada - E você?
- Estou bem.
- Tem certeza? - apontou para o sangue que pingava de seu membro e as manchas escuras na água.
Impaciente, andou até a morena e pegou seu braço que estava escondido, logo o encarando perplexo.
- Parabéns por ter conseguido matá-los sozinha, garota. - bagunçou seus fios azuis com um sorriso carinhoso nos lábios - Logo irá cicatrizar e tudo estará bem.
- Vamos. Ainda não acabei de ver o que tem aqui.
Mais ao fundo do local, encontraram um pequeno lago. Com a típica curiosidade, Celine tentou alongar seu olhar, na tentativa de encontrar algo.
Por um segundo, Gery apenas observou. Era admirável a proporção que a força daquela garota de cabelo azuis podia tomar. Desde que a conhecera, reconheceu sua coragem e esforço, sabia que faria coisas inacreditáveis, coisas que o encheriam de orgulho.
- Um baú! Tem um baú no fundo. - Celine apontava para água enquanto retirava sua cota de malha, se preparando para pular.
Mergulhou, indo rumo ao baú.
Ainda na água, abriu o objeto. Dentro dele estavam um punhal e uma carta dentro de uma garrafa. Voltou à superfície, vestiu-se novamente e guardou junto de si o que encontrara.
Continuaram caminhando, o lugar estava se tornando frio e o espaço menor. Para seguir, Gery tivera que agachar e Celine apenas dobrar razoavelmente as costas. No fim da passagem, uma espécie de sala. Nesta, dois altares grandes, três pequenos e, sobre estes, corpos estirados.
Ao passear seus olhos sobre os corpos, reconheceu apenas dois. Gaythan e o amigo com quem iria se encontrar, o homem loiro que a garota encontrara na taverna mais cedo.
Ao ver seu capitão ali, o homem que havia a encontrado e cuidado, Celine sentiu todo o seu corpo perder as forças naquele instante, era como se cada entranha do seu corpo começasse a se contorcer, sua boca perdendo saliva. Apesar da vontade de correr e abraçar forte o homem, se manteve o mais calma possível.
Decidiu, então, se aproximar.
De forma silenciosa, se agachou e correu até o corpo de seu capitão.
Vê-lo ali, desacordado, era chocante.
Celine analisou o homem, podia sentir seus batimentos, por mais fracos e lentos que fossem.
Não tirou seus olhos dali. Os minutos se passavam lentamente, de forma torturante. Os batimentos pareciam cada vez mais raros. 
Celine sentia seu coração pesar. O medo da partida de alguém que amava estava tomando conta de seu ser, mas ainda mantinha a esperança de que tudo voltaria a ficar bem.
- Calma. - sussurrava próxima ao rosto do capitão, enquanto o acariciava - Vamos sair daqui juntos, voltar ao Urca de Lima e nossas rotinas vão se restabelecer. Poderemos ouvir novamente sua risada carismática, Gaythan, vamos embarcar e aportar em um novo lugar. - secou as lágrimas que insistiam em correr por suas bochechas e cair no corpo do homem abaixo.
Logo sentiu os batimentos cessarem, mas não devia ser real. Não podia ser real.
Sim.
Era real. O coração de Gaythan Stormwind havia parado.
Gaythan morrera ali.
- Não... - as mãos de Celine tremiam involuntariamente, assim como sua voz embargada pela vontade de chorar - Você não vai morrer! Não vai nos deixar assim! Não vai me deixar assim! - balançava o corpo, alternando entre sessões do básico que aprendera sobre primeiros socorros e magias - Você é Gaythan Stormwind! Não vai partir de maneira tão fácil! Você vai viver e...vai voltar comigo...vai me ensinar muitas outras coisas que ainda não aprendi! Eu, a garota que encontrou perdida em uma ilha, se lembra? Vai me ensinar a viver e encarar meus problemas...por favor. - era isso, nada poderia ser feito, além de chorar. Derramar lágrimas por uma pessoa que as mereciam.
Após se acalmar, a garota lembrou-se de um anel que seu capitão usava como colar. Uma memória veio à sua mente.

- Vai mesmo fazer isso? - Celine seguia Gaythan pelo convés, enquanto prendia seus cabelos em um coque.
- Ele é o único nessa tripulação com quem eu duelaria por livre e espontânea vontade. - o homem esboçou um sorriso leve.
Quando chegaram ao meio do convés, a garota viu Gery se aproximar carregando uma mesa e Riu com duas cadeiras, arrumando ambas ali.
- Ainda dá tempo de voltar atrás. - Gery se sentou.
- Não quando você me desafia pra uma queda de braço, meu amigo. - Gaythan repetiu o gesto.
Mantendo a atenção nos dois, Celine reparou quando seu capitão puxou o anel do colar e colocou no dedo, apoaindo o cotovelo na mesa, em seguida.
Gery fizera o mesmo, deixando ambos prontos para duelarem.
Começaram. Apesar da força duas vezes maior que o meio-gigante possuía, todo o seu esforço não eram o suficiente para sequer mover algum músculo do capitão à seu favor.
Quando menos esperavam, Gaythan pusera força no braço, virara o de Gery e partira a mesa ao meio, vencendo o duelo e deixando todos perplexos.

Rapidamente tateou o peito do cadáver, à procura do objeto. Encontrou o colar, retirou o anel e colocou em seu dedo.
Enquanto tentava voltar para junto de Gery, um vento razoavelmente forte tomou o local. Os pequenos grãos de poeira se agruparam formando uma imagem abstrata, logo revelando ali uma mulher.
- O que fazem aqui? - sua voz era grave e soava de maneira fria.
- Vim atrás do meu capitão. - Celine estufou o peito, reunindo toda sua coragem, agora mista com sua fúria e dor.
- A única coisa que conseguirão aqui é a morte. - um sorriso de deboche surgiu em seus lábios. Apontou para os cadáveres e, em seguida, para um canto vazio, onde havia apenas um lago.
Da água começaram a emergir incontáveis esqueletos movidos por uma magia que não sabiam dizer qual. Foram em direção ao Gery, atacando o mesmo, que se defendia dos golpes.
- Eu te ajudo! - Celine estava se preparando para atacar.
- Não. Eu cuido deles, ela é com você. - bateu seu martelo no chão, que derrubou boa parte dos esqueletos.
Celine correu para golpear a adversária com sua maça, mas esta se esquivara e arremessara a garota, lhe causando alguns ferimentos. A morena se aproximou novamente, batendo com sua maça na cabeça da mulher, derrubando-a. Vendo esta no chão, Celine puxou sua faca e perfurou o peito da ruiva, matando-a.
Vendo que o meio-gigante não precisaria de sua ajuda, correu para trás de um dos altares e ele para um pilar, ambos se escondendo bem.
Logo viram uma figura surgir, um homem encapuzado arrastando um corpo ensanguentado sem muita dificuldade. Enquanto o homem se aproximava pôde reparar melhor, o corpo arrastado era Jonathan Monspiet.

"A força não provém da capacidade física. Provém de uma vontade indomável." - Mahatma Ghandi

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