Renascida

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Permaneci na UTI por aproximadamente 3 semanas. Minhas vias aéreas haviam ficado queimadas, tinha ganho uma enorme cicatriz de queimadura nas costas.
Fiquei livre do respirador após 10 dias do incêndio.
Kamski veio me visitar algumas vezes e deixou a Chloe comigo durante todo o período de internação.
Nossa primeira conversa depois de retirado o respirador não foi agradável.
- O que aconteceu com o Andrew? - Perguntei, quase de forma inaudível.
- O contato com o GPS da sua unidade havia sido perdido a mais de um ano. No dia do incêndio ele parou de transmitir dados para a Cyberlife.
Ele parecia abatido ao falar comigo. Por um momento acreditei que ele realmente se importava.
- O que aconteceu?
- Os bombeiros recuperaram o que sobrou da sua carenagem. Não havia forma de aproveitamento de nada...
Ele parou de falar. Viu meu choro compulsivo e sabia que não precisava continuar.
Ele se levantou e saiu do quarto.
Eu permaneci ali, chorando, sem força.

Alguns dias se passaram e eu ja estava no quarto comum. Chloe estava sentada na poltrona lendo. Parecia uma pessoa normal.
- Chloe, posso te fazer uma pergunta?
Ela levantou os olhos do livro e me fitou, atenta.
- O que você sente pelo Elijah? Digo, você sente algo?
Ela baixou o livro e o colocou na mesinha. Levantou-se e veio até a minha cama. Estava séria.
- Você quer saber se sou uma divergente?
Pensei antes de responder. Minha garganta doía.
- Você é?
Ela sorriu. Me lembrou o sorriso do Andrew.
Mas não respondeu.
Depois de uma longa pausa.
- Quer saber o que houve na noite do incêndio? Os policiais vieram aqui enquanto você estava no respirador e falaram comigo. Me disseram que foi um curto-circuito nas luzes de natal.
Senti as lágrimas escorrendo novamente.
'A culpa foi minha!'
Ela continuou.
- O protótipo RK1 reativou quando percebeu o perigo mas o fogo se espalhou rápido. Pelo menos ele teve tempo de salvar você. No final, ele fez apenas o que era programado.
Não sabia se ela estava sendo má, ou estava fazendo um relatório. Mas eu me senti muito mal.
- Saia, por favor.
Ela saiu do quarto sem questionar.

Alguns dias depois, no momento da minha alta, um enfermeiro entra no meu quarto com um envelope em mãos.
- Senhorita Bricks, pediram para que entregasse isso.
Peguei o envelope e abri. No seu interior apenas um mini disco. Nenhum bilhete ou remetente. Coloquei o disco no meu pad e executei.
O pad começou a reproduzir um vídeo. Era eu que estava no vídeo. Demorei alguns segundos para entender do que se tratava. Eram as memórias de Andrew. A sua ativação, a aprendizagem, as broncas.
Me sentei naquela cama e passei não me lembro quantas horas assistindo.
As memórias terminam na noite de natal.
Já não chorava mais. Não tinha mais lágrimas.
A partir de agora eu estava sozinha. E, pela primeira vez eu não tinha medo. Tristeza e solidão, mas nada de medo.
As chamas daquela noite mataram minha alma. Mas dentro de mim havia a certeza de que eu era capaz de renascer. De novo.

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