Vida toda

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  30 de setembro de 1972

  Otávio respirava lentamente, sentindo que seriam seus últimos suspiros. Seu bigode agora branco assim como seus cabelos, o corpo desgastado e cheio de cicatrizes. Ele fechava e abria os olhos, olhando para o horizonte a sua frente, sentindo a brisa lhe acariciar as rugas.

  Como o mundo havia mudado. Houveram outras guerras, grandes evoluções e novas descobertas. Mas nenhuma das novas idéias e ideologias mudaram o preconceito na cabeça das pessoas, ou seja, ele e Luccino mantiveram-se escondido por 62 anos.

  Tantas década juntos. Uma bênção, uma sorte sem tamanho. Conforme as evoluções foram surgindo, as pessoas foram para as cidades e os dois preferiram a calmaria do campo, se mudando para uma fazenda pequena e afastada, onde eles viveram em paz e reclusos.

  Foram anos felizes, repletos de amor, carinho e cumplicidade, mas também de conflitos e problemas. A morte do Coronel abalou muito aos dois e a Mariana também, e outras mortes que vieram com o tempo. No final, eles estavam sozinhos no vale, pois aqueles que não morrerram, foram para a cidade grande ou viajaram ( no caso de Mariana ).

Otávio relembrou toda sua vida, dos seus primeiros anos de vida em um terrível orfanato, a juventude no quartel, o amigo de farda que fez, o pai que tinha como Coronel...e Luccino.

Luccino fora a melhor parte de sua vida, e a maior parte dela, também.    O amor de sua vida, o italiano que fez morada em seu coração, o homem mais perfeito que já havia existido, Luccino havia feito a vida de Otávio mais feliz.

  Pensando nisso, um lágrima desceu do rosto de Otávio, passando pelo seu sorriso. Ele respirou forte e olhou para dentro da casa.

  — Luccino, venha cá! — Chamou. E o italiano apareceu. Os cabelos brancos e as roupas de dormir, pois o dia não havia começado. Os olhos se abrindo e um sorriso doce no rosto, ele se sentou ao lado de Otávio na varanda.

— Sim, mi amore ? — Luccino colocou sua mão sobre a de Otávio.

— Irei partir logo. — Avisou. Luccino baixou os olhos.

— Deixe de bobagem, Otávio. Nada irá acontecer com você. — Disse, desanimado.

— Luccino, está na hora de aceitar. — Otávio virou o rosto de Luccino pra si. — Eu vou morrer.

— Não pode me deixar sozinho.— Disse ele, o rosto triste e a voz chorosa.

— Sabe que sempre estarei com você. — Otávio trouxe a cabeça do italiano ao seu ombro. — Mas faz tempo que eu já não me sinto bem, você viu. Eu já sou velho e está na minha hora de partir.

  O italiano começou a chorar baixinho.

— Todos a minha volta estão indo embora, eu vou ficar sozinho. — as lágrimas desciam salgadas, e Otávio as enxugou.

— Não chore, meu amor. — Otávio beijou a bochecha de Luccino. — Logo estaremos juntos de novo, e eu estarei guardando seu lugar junto de mim.

—  Está dizendo que eu vou morrer ? — Luccino o encarou, brincalhão. —  Longe de mim com as suas pragas, senhor Major. — Luccino ergueu o dedo e o balançou negativamente.

  Otávio riu, uma das mãos acariciou o cabelo não mais volumoso do italiano, enquanto a outra estava entrelaçada com a de Luccino. As duas mãos enrugadas e cheia de dobras, que levavam muitas histórias, as mãos de Luccino eram cheias de calos por seu trabalho, as de Otávio também, mas mesmo assim, se encaixavam perfeitamente.

— Luccino, passamos a vida inteira juntos, estou com você até nos meus últimos momentos. — Ele ainda sorria docemente para o rosto choroso do italiano.

Contos LutávioWhere stories live. Discover now