six.

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Já beirava dezoito horas quando recebo uma ligação do restaurante japonês que éramos fãs. Levantei relutante, ainda havia bastante sono correndo por todo o meu corpo. Mas comida japonesa realmente era algo que me despertava sem dificuldade. O que posso fazer? Mamãe havia comentado mais cedo que encomendaria barcas de sushi para o jantar. Desci as escadas com a cara ainda amassada, fui até o jardim onde Ana dedilhava um violão enquanto mamãe terminava de plantar alguma coisa que não fazia ideia. Era seu hobbie.

– Estão isoladas aqui por qual motivo? – Encarei as duas que me sorriram em conjunto.
– Seu pai foi voando para o escritório e levou Mike, obviamente, pois eles não conhecem a palavra limite. – Mamãe exclamou mais para ela do quê para mim, virando-se para terra.

Ana mantinha a atenção nos acordes. Seu perfil concentrado combinava com os óculos redondos que usava.

– Mãe, estou indo buscar o jantar. – Virei-me de costas, indo até o cabide de casacos, já enfiando-me em um.
– Tudo bem... Ei! Filha, leve a Ana junto. Não quero que ela fique sem fazer nada.

Alexandra Muller só podia estar de brincadeira.


– Mas é muito rápido lá, e eu ainda tenho que passar...
– Clarissa, não estou pedindo. – Encarou-me, séria.
– Dona Alê, não precisa, eu posso ficar no quarto do Mike até ele chegar, e... – Ana começava a falar rápido e ficar sem jeito.
– Nada disso! Vá com Clarissa e veja um pouco da cidade, nem que seja pelo carro. – Sorriu educadamente para a garota e virou-se para mim, repreendendo-me com os olhos.


No carro o silêncio era constrangedor. Eu era péssima em puxar assunto.
Tudo bem que ficar com metade de Londres não me exija muito esforço, mas não estava com a menor vontade de começar conversas sobre Irlanda, estudos ou sei lá o quê.

– Tá um pouco frio. – Ana finalmente falou, tirando-me dos meus pensamentos. – Você pode desligar o ar? – Olhou-me, tímida.

Eu começava a achar bonitinho o jeito calmo de Ana. Era bem diferente das mulheres com quem convivia nessa cidade – todas sempre apressadas e escandalosas.

– Claro. – Aproveitei os dedos que desligaram o botão do ar, já engatando para ligar o rádio e dar um som ambiente para aquela tortura que minha mãe chamou de "passeio".

Com o canto do olho, vi Ana Clara torcer o nariz.

– Algum problema com rap? – Levantei a sobrancelha, rindo baixo.

Ela sorriu.

– Não.. Só... não ouço muito. – Deu de ombros, conformada.
– Coloca em alguma música que você goste. Vamos ver o que você me mostra.

Foi minha vez de torcer o nariz.

– O que foi? Algum problema com Justin Bieber? – Ela gargalhou serena, cantarolando a música.

De repente, estávamos avançando do contato civil básico, para um mais intermediário.

– Depende... Não com o Justin em si, mas essa música... – Balancei negativamente a cabeça, encarando a estrada.
– O que tem "All that matters"? – Questionou, surpresa. Como se fosse um absurdo.

Ri baixo de sua reação.

– Ele se mostra obcecado pela garota. Como se tudo girasse em torno dela.
Como se ele não tivesse a própria identidade. – Dei de ombros.
– Mas é assim que nos sentimos quando amamos, não? – Ela me questionou, como se fosse óbvio haver apenas uma resposta a ser dada.

Pisquei duas vezes no mesmo segundo.

– Não sei. Nunca amei ninguém.

Continuava com a minha atenção voltada para o caminho á frente, quando senti a expressão corporal de Ana Clara transforma-se. Colocou a mão na boca, espantada. Como se eu tivesse acabado de falar: "matei uma família de esquilos".

– Como assim nunca amou? – Falava, incrédula. – Eu não acredito.

– Ué. Estou falando sério. Me envolvo com as pessoas, mas acho que não as amo, não. – Olhei para ela por um instante, rindo em seguida da cara que fazia. – Serei julgada por ti agora?

Ela balançou a cabeça, ainda surpresa e olhou pela janela.
– Então, quando tu amar, vai saber o que ele fala. – Suspirou. – As vezes a gente sente tanto por alguém, que nada faz sentido sem ela por perto. Ou, você nem se sente mais você.
É doido.

Ri brevemente, estacionando o carro. Olhei pra ela, que me encarou em seguida.

– Então, Ana, prometo que quando amar pela primeira vez na vida, você será a primeira a saber. – Sorri, sem mostrar os dentes.

Passou uns dez segundos, e ela continuava a me encarar. Já estava ficando preocupada.

– Espero que tu cumpras promessas! – Sorriu. – Será um prazer fazer parte desse momento histórico para a humanidade!

Revirei os olhos com humor.
Sim, Ana. Você fará parte disso.

no control.Where stories live. Discover now