1 | ELSA DO FROZEN

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Eu seria engolida, mas não da forma legal.

Meu corpo seria encontrado em algum corredor inabitável da faculdade, dilacerado pelas mordidas de carniçais raivosos. Pela temperatura gélida do final de setembro, minha pele estaria levemente congelada, a água podre fazendo um trilho e caindo no chão como uma poça nojenta. Eu não poderia me despedir da minha família, porque minhas cordas vocais teriam sido destroçadas graças aos gritos de socorro, nunca ouvidos por ninguém.

Sou canceriana, decerto. Mas não pensem que meu drama não fazia sentido, pois ele transcendia de tão verdadeiro. Eu estava parada na frente daquele enorme prédio enquanto uma quantidade considerável de alunos saíam e entravam, como boas formiguinhas, as mochilas pendendo nos ombros.

Era minha primeira graduação, de modo que tudo era tão confuso e mágico para mim. Eu segurava com força o folhetim que um veterano me entregara mais cedo, mas não conseguia entender nada dos pontos importantes da faculdade.

Eu estava confusa! Quando perguntara no grupo do Facebook o que significava algumas coisas, os mais experientes praticamente me chamaram de inútil. Logo percebi que não podia contar com nenhum deles. Achavam-se superiores, mais espertos, dignos da atenção do mundo inteiro.

E eu só tinha mais certeza que seria engolida.

Entrei devagar, esbarrando em algumas pessoas, que pediam desculpas meio afobados e saíam correndo novamente. Talvez eu fosse ficar exatamente como eles, pois depois de virar uma universitária, segundo meu pai, o mundo girava mais rápido e precisávamos andar na mesma velocidade. Além disso, ele disse que nosso humor decaía a cada semestre, dando origem ao desespero diário, cada vez mais constante.

Eu deveria ficar com medo? Havia completado dezenove anos há pouco tempo, tal como mudado para uma cidade nova depois de mais de uma dezena morando nas custas dos meus pais, em uma cidade pequena com poucos habitantes. Tudo bem que continuaria usando do dinheiro de mamãe e papai para estudar, mas pelo menos eu estava sozinha, tentando criar novas responsabilidades.

A Universidade de Hamish, localizada em Cleveland, Ohio, sempre esteve no topo das minhas universidades mais desejadas. Eu havia optado, no início, em ficar em Sandusky, minha cidade natal, mas as oportunidades não seriam as mesmas. Mamãe, jornalista renomada e todo dia atrás de novidades, convencera-me que seria melhor se mudar e estudar em uma cidade grande.

Embora ela tenha dado a ideia, no fundo talvez tenha torcido para que eu não concordasse, mas no fim havia visto sua alternativa com bons olhos. E, depois da minha carta de admissão da queridinha Hamish, peguei o primeiro avião para Cleveland.

Ali me encontrava, no prédio de Literatura, amarrotada entre outros estudantes que não davam a mínima para minha história comum. Na minha cidade, conhecia praticamente todos os jovens da minha idade e suas famílias, mas em Cleveland todos não passavam de desconhecidos. Eu estava acostumada com atenção, com falatório, com "como vai sua mãe?", mas ninguém se importaria o suficiente para querer saber sobre minha intimidade.

Eu não gostava de ser o centro dos assuntos, antes que alguém me entenda mal. Mas eu era tão extrovertida, um cachorrinho feliz que pulava em qualquer visita, que agora parecia mais um bicho do mato tentando se esconder de olhares alheios. Eu estava no meio de predadores, prestes a ser capturada, e ninguém viria me salvar.

Desviei de dois garotos que praticamente voaram para cima da minha cabeça. Eles estavam com uma bola de futebol americano em posse, e eu brevemente comparei aquilo com o Ensino Médio, quando a galera popular era a única que chamava toda atenção. Olhando ao redor, podia-se perceber que todos possuíam seus lugares e ninguém parecia mais destacado que o outro. Até mesmo os nerds estereotipados, por exemplo, possuíam seu enorme grupo para socializar.

Hello Darkness | Romance Lésbico (Degustação)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora