Aprendizados e Novas Amizades

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 Malas e portas de armários abertas, camisas dobradas em cima da cama e uma janela aberta pela primeira vez em meses: Dorothy arrumava os bens para uma nova vida na pensão. Enquanto o guarda-roupa recebia novas vestes, a cabeça da senhora recebia as insuportáveis preocupações da vida adulta: ela não confiava naquele lugar desde que ficou sabendo dele, suspeitou o preço tão baixo, e agora sabia que o casarão era alvo de óbitos! Como Carol ficaria num lugar desses, ou pior ainda, como iria se divertir?

 Tentou se distrair um pouco para conseguir firme na realidade que ela mesma fez para ela e sua filha. Decidiu pegar a vitrola presa na mala grande azul (aquela geringonça custou para se encaixar ali). Puxou um pouco e finalmente retirou o aparelho bonito e empoeirado, pegou o único disco que tinha, "At Last", de Etta James, e ouvi-o por inteiro enquanto ajeitava tudo. Nada daquele rock maluco, daqueles caras drogados com nome de dirigível, o bom era uma boa cantora de jazz se aventurando por estilos diferentes. 

 Ouvia e ajeitava tudo rapidamente, até que resolveu ver onde sua filha estava. Ela havia avisado que iria entregar as correspondências dos moradores, mas já estava demorando um pouco, talvez fosse melhor checar onde ela estava. A porta se abriu e lá estava Carol, com alguém logo atrás.

 -Oi mãe, está muito ocupada, quer alguma ajuda?- ela olhou com preocupação e carinho com a mãe.

 -Está tudo bem, na verdade eu acabei de terminar de arrumar tudo. Quer alguma coisa?

 -Sim! Eu gostaria de saber se eu posso ir para a campina aqui perto com o meu novo amigo. Posso?

 Dorothy desconfiou um pouco daquela situação. "Novo amigo? Tão rápido assim? Não seria seguro nem se ela fosse sozinha, imagine com um estranho. É nova demais para sair desse jeito", pensou. Mas depois percebeu que não seria nenhum problema se ela acompanhasse sua filha, e poderia conviver com outras pessoas e se costumar mais rapidamente com a nova casa. Se fosse com segurança, daria tudo certo.

 -Pode ir, mas eu irei junto e ficarei lá tomando conta de você, certo? - olhou para a filha com autoridade.

 -Claro, mãe. A senhora é quem manda!

 -E esse novo amigo, posso conhecê-lo?

 -Sim, ele está aqui do meu lado - A menina mostrou o velho atrás dela, tentando parecer indiferente e sumir naquele rastro de corredor - Esse aqui é o senhor Ford, ele mora aqui pertinho.

 Ford se viu obrigado a entrar e falar algo com a mãe de Carol. Fazia um tempo que ele não conhecia pessoas novas, e agora estava evoluindo bastante. O que ele teria a perder agora?

 -Bom dia, eu sou Robert Ford. - cumprimentou a moça e foi direto ao assunto - A sua filha me convidou para ir caçar algumas borboletas e lhe ensinar como se faz.

 -Sim, ela me disse, e eu irei junto só por preocupação. O senhor entende? Eu não o conheço, e agora que vivemos aqui no centro da cidade, eu tenho que prestar um pouco mais de atenção.

 -Mas não tem perigo, vou vigiar sua filha com bastante cuidado, mas não me importo se quiser vir também.

 -Sim, eu prefiro ir.

1° CAÇADA

 Acordaram às quatro da manhã no outro dia, como combinado. Preparam um lanche delicioso para sustentar as forças, e partiram.

 Depois de mais algum tempo pegando o necessário para sair, Dorothy, Carol e o Sr. Ford caminharam com destino à área desocupada, justamente onde o velho costumava caçar borboletas por diversão. Atravessaram a faixa de pedestre e passaram perto da loja de discos de York, a Harvest Record Store, e Dorothy ficou alguns segundos admirando a vitrine enquanto os dois andavam na frente. Observando a vitrine da loja iluminada e decorada, é incontestável dizer que Etta James lançara um novo álbum: "Losers Weepers". O dono e fanático pela vocalista tratou de encher a loja com várias cópias, para se destacar. Dorothy ficou animada com a notícia.

 -Vamos logo, mãe, não é tão longe!- a filha apressava a mãe que parou no meio do caminho, para admirar o conteúdo da loja.

 -Está bem, estou vindo! - Dorothy voltou a realidade e foi alcançá-los.

 Naquela manhã de domingo, os carros quase não estavam presentes nas ruas, e isso adiantou o passeio dos três. A fazenda abandonada era povoada por muitos animais silvestres e é claro, muitas borboletas. As guarda-portões eram o tipo mais comum, assim como no resto do país, uma quantidade imensa! Era uma questão de um quilômetro até chegarem.

 Num momento na caminhada, Sr. Ford estava um pouco a frente delas, e Dorothy aproveitou a oportunidade para fazer algumas perguntas. Queria saber um pouco sobre o senhor que as acompanhava.

 -Carol, venha aqui um segundinho.

 -Sim, mãe?- chegou mais perto, para ouvi-la.

 -Me conte um pouco mais sobre esse seu novo amigo, só por segurança.

 -Bem, eu conheci o Sr. Ford essa manhã, ele mora ali no 402, em cima do nosso apartamento. Sabe, ele não tá muito bem de vida, pelo que eu vi anda muito rabugento e não tá conseguindo pagar as contas. Eu decidi conversar um pouco com ele, e marcamos esse passeio! Espero que isso o deixe mais feliz, odeio tristeza.

 -Que isso, Carol! Você marcou um passeio com um desconhecido e devedor, ficou doida? E esse apenas quisesse te usar para roubar algo de nós? Não se pode acreditar em todos, filha.

 -Você não disse que era pra eu arranjar novos amigos? Aí está! Ele precisa de ajuda, mãe, está muito triste, e você sabe que eu odeio tristeza.

 -Se ele provar ser uma boa pessoa, não há problema. Caso contrário, iremos embora enquanto ainda podemos.

 -Eu vou te mostrar, mãe! Parece rabugento no começo, mas prometo que ele é muito legal.

 Os três chegaram na fazenda. Ford disse que era um terreno abandonado, e por isso poderiam tranquilamente atravessar a cerca de arame farpado e se distrair nos campos, como fazia regularmente. Dorothy observava tudo de perto da cerca, enquanto o velho e a menina se preparam para caçar.

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