Origens e Conexões

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Aquela noite estava bem amena e silenciosa. O jovem Eduard passara a madrugada gastando a firmeza da juventude em seus planos de invasão e possíveis rotas estratégicas de fuga, nos mais minuciosos detalhes, com a ajuda de algumas folhas de papel, um lápis, um mapa da cidade e uma calculadora. O presente de aniversário do menino viera a calhar para somar o preço dos "materiais" necessários. 

 A noite foi cansativa, mas ele pode adiantar bastante seus planejamentos. Antes de dormir, contemplou por um tempo a figura de seu pai, um italiano alto e barbudo, num retrato pendurado em seu quarto. 

 No dia seguinte, se via deitado na cama na posição contrária, babando, até que sua mãe resolveu acordá-lo, quando percebeu que já era quase meio dia.

 -Levanta, Eddie, se não vai se atrasar para a sua ingressão!

 -A escola já acabou mãe, não se lembra? - retrucou, ainda de olhos fechados.

 -Não é disso que eu estou falando, filho, é um serviço para você.

 -O quê?- ele pulou da cama e fitou os olhos na mãe.

 -Tá surdo garoto? Sua mãezinha do coração arranjou uma proposta de emprego pra você lá na prefeitura, o que acha de se arrumar e apresentar suas qualidades?

 -É sério, mas rápido assim? O que eu faço, como funciona isso aí?

 -Calma, não é nada complicado. Eu conversei sobre isso com o Quincy ontem, ele disse que precisavam de alguém para desempacotar e conferir as cargas encomendadas pela prefeitura, materiais de escritório, tintas, móveis, essas coisas. Disse que você estava procurando emprego e ele aceitou a ideia. Agora você tem que ir lá ser avaliado para virar o mais novo desempacotador da prefeitura, o que acha?

 -Eu já disse que te amo hoje, mãe? -Eduard abraçou a mãe com muito carinho.

 -Pode ir segurando a puxa-saquiçe, que você precisa chegar cedo!

 Puxou a porta do pequeno guarda roupa rapidamente, pegando um terno antigo de seu pai e um pente, usando-o para disciplinar os fios selvagens espalhados pela sua cabeça. Procurou pelo único espelho da casa, no quarto da mãe, e se viu naquele uniforme muito diferente de sua personalidade. Era um sacrifício que deveria fazer pelo bem das contas de casa, que obviamente seria descartado quando possível, não poderia aguentar aquela gola sufocante por tanto tempo.

 Parou para se observar mais uma vez e colocar a gravata, desceu correndo e engoliu um pão com geleia e leite, levantou e pegou um papel na gaveta de uma cômoda, era seu currículo necessitado de mais contribuições.

 -Não se esqueça de contar sobre seu trabalho de meio-período ali na loja de discos, talvez te ajude a mostrar mais experiência.

 -Tá tudo aqui no meu currículo, mãe. Muito obrigado pela oportunidade! -ele beijou sua bochecha e sorriu para ela. E, quem quer que seja esse tal de Quincy, agradeça a ele também, isso significa bastante para mim.

 Ele saiu animado de casa, direto para a prefeitura, tentando planejar sobre como poderia se apresentar para quem quer que fosse avaliá-lo. Até que olhou para uma poça d'água na calçada e percebeu como estava ridículo com aquele cabelo lisinho, e desembaraçou tudo de volta. Decidiu que não queria se mostrar como alguém que ele não era. 

******

 Depois de uma leve passada no que aconteceu a Eduard naquela manhã, talvez o leitor queira saber como foi a outra metade do dia de Carol. Onde é que eu estava mesmo? Ah é, ela havia acabado de abrir a porta da sala.

 -Ah, olá garotinha. O que está fazendo aqui? É preciso permissão para subir no 1° andar.

 -Sabe, é que eu preciso ter uma conversa séria com o senhor.

 -Ha ha ha ha! É mesmo? O que tem de tão sério para me dizer?

 Carol perdeu a coragem por um instante, e tentou se encolher na aresta da porta. Parou e olhou para baixo, lembrou de sua mãe e seu amigo, que agora dependiam dela para melhorar suas vidas, e o ânimo voltou.

 -Eu sei que uma garota da minha idade não parece ter muita moral para reclamar das coisas, mas eu também sei que no meu bairro as pessoas tratam invasões como se fosse algo normal, e por isso eu vim aqui, para te alertar sobre essa violência!

 O prefeito olhou  para a garotinha e depois fitou a superfície da própria mesa, levando a mão ao rosto com cara de decepção. Suspirou e começou a falar.

 -Alguém da sua idade iria querer ir embora chorando agora, gostei da sua ousadia de vir até aqui. Olha, é... qual é o seu nome?

 -Caroline.

 -Bem Caroline, eu tenho uma história para te contar, sente-se.

 Ela olhou para baixo e leu a plaquinha da mesa.

 -Obrigado, prefeito Quincy. 

 Ela se sentou numa das poltronas para visitas, no lado contrário à mesa do prefeito, e em sua mente torceu para não demorar muito, porque a situação não estava tão controlável lá embaixo.

 -A cidade de York é conhecida por suas extensas muralhas muito antigas, e por isso é considerada uma autoridade unitária histórica, um verdadeiro patrimônio inglês. Contudo, existe algo que não consta em lugar nenhum, obviamente porque é o fato mais vergonhoso da cidade.

 O prefeito se levantou e abriu uma gaveta alta de um armário, pegou vários documentos antigos e os espalhou na mesa. 

 -Sei exatamente o bairro em que você mora. Aqui, certo?

 Ele apontou para um espaço circulado de vermelho em volta, onde se lia "Tang Hall" em letras maiúsculas datilografadas.

 -Há aproximadamente 20 anos atrás, um grupo de integrantes da máfia italiana precisavam de um lugar para se refugiar depois da fuga forçada de seu país, e assim, por considerarem York uma cidade segura e pacífica, aqui eles se fixaram, um esconderijo perfeito que ninguém desconfiaria. As maiores complicações surgiram quando escolheram Tang Hall como sua nova "estadia". De forma silenciosa e rápida, os criminosos rapidamente assumiram o controle do bairro e o mantém até os dias de hoje.

 Ele parou um pouco para tomar um copo d'água que estava em sua mesa, logo apontando para uma foto de uma rua com três homens, dois armados e um indefeso entre eles.

 -É muito difícil enfrentá-los, sempre abusam dos moradores e os utilizam de reféns em quaisquer confrontos com a polícia.

 -Sabe, eu tenho um amigo que mora por aqui há muito tempo, acho que ele pode ter alguma sugestão sobre como resolver esse caso. A questão é que ele está com uns probleminhas agora.

 -Como assim?

 A conversa foi interrompida pela porta, semiaberta, que revelou um jovem rapaz, um funcionário novato na prefeitura, preocupado com a situação do local. O jovem Eduard entrou na sala e logo lhe avisou:

 -Com licença, prefeito Quincy, a sua secretária me pediu para avisar que tem um senhor idoso arrumando confusão lá embaixo e querendo falar com o senhor.

Caçador de BorboletasOnde histórias criam vida. Descubra agora