Mudança de Planos

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 Ninguém se mexe, se não ela vai embora. A borboleta em cima de uma rocha alta, era o lugar perfeito: ideal para iniciantes nesse tipo de caçada. Ford balançou a cabeça, mostrando para Carol que essa era a hora. A menininha concentrou seus olhos no pequeno inseto para capturá-lo com sua rede. Ela a ergueu e lançou-a de lado, na direção da borboleta. Não é que a danada conseguiu escapar a tempo?

 -Droga!

 -Espere, você lançou a rede do jeito que eu disse para não fazer! Ok, vamos treinar mais uma vez.

 Ford segurou as mãos dela e as usou como marionetes, para demonstrar o movimento certo que evitasse uma rota de fuga para a borboleta.

 -No caso que vimos agora, o ideal seria você jogar a rede contra  a superfície, bem rápido. -  o velho fez o que disse, como exemplo - Assim não tem como a borboleta fugir, já que você já vai ter tampado a parte de cima, e ela não tão pequena quanto uma mosca, por isso não consegue passar por baixo, entende?

 -Sim! Vou fazer certo da próxima vez!

 -É claro que vai.

 Não sabemos ao certo se aquela frase de Ford era irônica ou motivacional, mas o que importa é que os dois passaram uma boa tarde se divertindo. A mãe de Carol ficou vigiando os dois perto da cerca do terreno baldio, sorrindo com a felicidade dos dois. Foram os melhores momentos que Dorothy passou sem fazer nada, apenas assistindo.

 Carol prestava total atenção nos ensinamentos de Ford, mas errava tudo na prática, pelo menos no começo. Era para o velho estar bravo com  isso, mas continuava feliz porque era um motivo para continuarem rindo das trapalhadas de Carol quando tentava pegar alguma borboleta. Uma vez ela foi pegá-la e girou no ar, caindo de costas no chão fofinho da grama, caindo na gargalhada logo em seguida.

 Quando Ford resolveu mostrar um pouco de suas habilidades, conseguiu pegar três borboletas de uma só vez, na mesma rede! Anos de experiência têm que dar resultados, não é mesmo? A menina adorava quando via o rosto do velho rabugento, que agora ria como uma criança.

 Pararam com a diversão quando viram que o Sol já tinha sumido e não enxergavam mais um ao outro. A caminhada não foi tão monótona como a de ida. Dorothy agora perguntava o que fizeram na "aula" de hoje, e Ford contou um pouco do que havia ensinado. Carol andava na frente, chutando uma pedra que havia encontrado no caminho até em casa.

 Sem pressa para voltar, os três chegaram na pensão tarde. O portão já estava fechado.

 -Acho que nos empolgamos um pouco. - disse Dorothy enquanto segurava a grade e tentava ver se tinha alguém passando perto da porta, que tinha uma janelinha de vidro, mas a porta era longe por conta do jardim da frente.

 Ford não estava gostando da situação. 

-Eu vou tentar chamar alguém -  ele percebeu que todas as janelas já estavam apagadas, o que o preocupou ainda mais, mas teve uma ideia. -Carol! Veja se consegue pular o portão, eu te ajudo.

 -Não é muito alto para mim? 

 -Exatamente por você ser menor, vai ter mais facilidade em pular. Pode nos ajudar nessa?

 Carol se apoiou nas mãos deles e conseguiu pular o portão depois de duas tentativas. Ela passou pelo jardim e bateu na porta. Ninguém respondeu. Começou a ouvir alguns barulhos vindos do casarão, e ficou com medo. Virou para o portão e olhou para os dois, que não estavam perto o suficiente para ouvir o que parecia ser um barulho de portas sendo arrombadas.

 -Mãe, quem faria essa bagunça a essa hora da noite?

 -Eu não sei filha, não chame ninguém - a mãe de Carol achou melhor a menina não tentar chamar a atenção de possíveis invasores.

 -Volte! Não faça muito barulho!

 Carol pulou o portão para o lado de fora com nervosismo. Era mais difícil sem ajuda. Por fim, eles decidiram desistir de tentar entrar, pelo menos enquanto não tinham um plano. Ficaram um tempo pensando no que poderia ser aquele barulho, até que Ford compartilhou sua suspeita.

 -Lhe contaram sobre a criminalidade daqui? - O velho olhou para Dorothy, com cara de decepção.

 -Sim, o porteiro me alertou sobre casos estranhos. Acha que invadiram a pensão de novo?

 -Aconteceu no mês passado, e nada os impede de estarem fazendo agora mesmo. Esse pessoal está tomando conta das casas da vizinhança. Pegam o que precisam e o que quiserem, e ninguém tem a audácia de enfrentá-los, e não acho que seremos nós os tão esperados salvadores de Tang Hall. Eu diria que somos uma decepção para o país. O que nos basta é procurar um lugar para passar a noite.

 -Eu deixei meu dinheiro no apartamento, não tem como ir a nenhum hotel. Onde iremos agora? - Dorothy buscava quaisquer moedas no seu bolso.

 -Há uma praça aqui perto, podemos esperar até o amanhecer lá. Sei que não é nada confortável dormir em bancos de praça, mas é o que temos para essa noite.

 Seguiram até a praça, que tinha uma enorme no centro, que a essa hora já não se via a água transparente lá de dentro. Só se via em seu reflexo uma mulher, uma garotinha e um velho, procurando um lugar mais confortável para se encostar. Encontraram uma árvore com raízes enormes, que serviriam de encosto, num morrinho com grama.

 Carol se espantou com a densidade daquele dia. Havia encontrado um amigo incrível que lhe acompanharia por muito tempo, e agora não tinha um lugar digno para uma simples. Possivelmente arrombaram a porta, e suas coisas estariam sendo roubadas naquele momento. Imaginou o que se passava na mente de Ford, que estava prestes a ser despejado da pensão. Era triste pensar que aquela não seria a última noite de Ford nessa praça.

 Ela cansou de pensar num futuro infeliz e decidiu que voltaria  a fazer o que sempre fez: Olhar o lado bom de tudo. Resolveu olhar um pouco para as árvores e suas cascas duras e retorcidas, contou quantas folhas tinham no chão e cobriu o corpo com a parte que sobrava do casaco de Dorothy. Aquela noite foi fria.

 Antes de dormir, queria alguns esclarecimentos.

 -Ford...

 O velho abriu os olhos e virou-se para a garotinha. Ele estava encostado do lado oposto ao delas, com o chapéu inclinado para baixo, para cobrir os olhos.

 -O que foi, Carol?

 -No que você acredita?

 Ele parou por um segundo. "Como assim?", pensou. Ninguém nunca havia feito aquela pergunta a ele.

 -Você não acha que essa pergunta é muito vaga?

 -Sei lá. Acha que você consegue respondê-la?

 -Bom, é seguinte - respirou fundo. -, a minha vida é cheia de altos e baixos. Ando procurando emprego, já não pago aluguel há meses e tenho uma blusa, um casaco e duas calças. Meus parentes devem estar muito ocupados para me receberem, então já decidi que não os mandaria mais cartas. O desafio agora é me manter vivo até o final do mês.

 -Mas cadê os altos da sua vida?

 -Bem, esse é o ponto. O que eu acredito é que no futuro esses altos chegarão. Você ainda é muito jovem, mas eu vou lhe ensinar uma coisa que eu sempre segui: Quem desiste, já perdeu. A vida não é justa e jamais será, e a resposta para vivê-la bem é preservar as coisas boas e aguentar os tropeços, como os tombos que você deu hoje lá na campina.

 -Hahaha, eu me lembro dessa!

 -Sabe, eu pensei que nunca mais teria uma família, mas resolvi continuar esperando, porque não tinha mais nada a perder. E olha só! Hoje eu encontrei você.

 -Calma Ford, ainda vamos encontrar seus parentes, pode ficar tranquilo. Enquanto isso, estamos aqui!

 -Eu agradeço muito a você e sua mãe. Obrigado por serem minha nova família.

 Não havia sorriso mais doce do que o de Carol naquele momento. Era um novo amigo, de verdade.

 -Acho melhor a gente dormir agora, antes de voltar à realidade.

 -Boa noite, Ford.

 -Até de manhã.




Caçador de BorboletasWhere stories live. Discover now