Capítulo 3

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Olhos místicos

O corte começava no topo da cabeça, ainda entre os fios de cabelo, e terminava ao lado do olho direito de Felipe, logo no fim da sobrancelha. Era um talho fino, provavelmente causado pelo estilhaço de uma das garrafas, mas vazava uma quantidade significativa de sangue por ser na cabeça.

Sem parar para pensar, empurrei delicadamente Felipe até ele se sentar na borda da calçada, tirei minha camisa e a pressionei sobre o corte com certa força, uma tentativa de fazer o ferimento coagular. O sangue não parava de escorrer e manchar o tecido, mas mantive o aperto firme ainda assim.

A tontura parecia estar diminuindo, pois ele ergueu a mão e passou a apertar por contra própria minha camisa sobre o ferimento. Continuei observando ele, que não tinha erguido o rosto nenhuma vez ainda, e me agachei ao seu lado. Uma corrente fria de ar passou por nós e me encolhi de frio, sentindo todos os meus pelos se arrepiarem por estarem descobertos.

Alguns segudos se passaram daquela forma. Felipe segurando o rosto entre as mãos, tirando o tecido do rosto só para constatar que o sangramento continuava e colocá-lo de novo. Fiquei quieto e os pensamentos sobre a aposta surgiram de novo. Parecia impossível algo daquele tipo acontecer no mesmo dia que eu tinha feito ela, mas estava de qualquer maneira e isso era surpreendente.

- Você está bem? - Sussurrei finalmente. Sabia que ele não estava, mas ficar em silêncio não estava ajudando em nada.

Felipe assentiu ligeiramente e soltou um suspiro profundo antes de dizer:

- Só estou um pouco tonto ainda. - E foi nesse momento que ele ergueu o olhar para mim.

O meu primeiro pensamento foi: como porra nunca reparei nisso antes? Duas bolotas azuis, curiosas, me observavam. Seus olhos eram de um azul tão claro e cristalino que refletiam todas as cores a nossa volta, incluindo o céu escuro, o que deixava manchas de azul mais escuro em seus olhos. A cor era tão única que meu queixo caiu: os olhos pareciam dois faróis que iluminavam tudo ao redor e chamavam a luz em sua direção.

Eu estava encarando seus olhos e eles me encaravam de volta. Felipe pareceu finalmente me reconhecer por causa disso, pois suas sobrancelhas negras se franziram e ele se levantou de imediato, dando um passo para trás.

- Por que você está me ajudando?

Abri a boca para responder, mas percebi que, na verdade, não sabia o que dizer. Eu não sabia que era ele quando me aproximei e, para falar a verdade, isso não teria importado, pois eu faria tudo de novo, mesmo sabendo de sua identidade. Por fim, dei de ombros.

- Só vi um garoto ferido, o que você queria que eu fizesse?

Ele fechou os olhos e sem aquele azul vívido, seu rosto adquiriu feições sombrias. Ainda estava surpreso de como eu nunca tinha percebido aquela cor no rosto do garoto, mas, bem, não era como se eu tivesse prestado atenção nele, de verdade, antes.

- Ah, é claro. - Felipe sussurrou para si mesmo depois de um segundo e reabriu os olhos. - É claro que você não sabia que era eu, caso contrário nem teria se mexido.

- Não é verdade... - Sussurrei, me levantando de novo.

- Claro que é! - Estava escuro, mas eu podia jurar que o rosto de Felipe ficou vermelho. Ele falava mais alto que o normal e tinha os olhos focados em mim. - O que eu fiz para vocês? Todos os dias você e seus amiginhos riem de mim e me machucam, mas sou incapaz de saber o por quê!

- Eles não são meus amigos! - Falei rápido demais.

Mais um vento frio passou, fazendo com que eu esfregasse as mãos nos meus braços. Eu estava me sentindo fraco naquela noite, cansado e irritado, entretanto, a comparação de Felipe entre mim e aqueles imbecis me deixou ainda mais abalado. Sem perceber, eu já estava fechando minhas mãos em punhos para controlar o impulso de bater em alguma coisa.

Como não te amar?Onde as histórias ganham vida. Descobre agora