Capítulo 19

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Hospital

Uma semana.

Esse era o tempo que eu dormia em um sofá de dois lugares, duro e desconfortável, e minhas costas reclamavam todos os dias ao levantar por ter passado a noite encolhido. Localizado na sala de espera do hospital, o sofá não deveria ser para essa finalidade, no entanto, os médicos e enfermeiros tinham relevado minha presença ali. Depois de três dias, acordei recoberto com uma manta que um deles havia posto sobre o meu corpo durante a noite.

Uma semana que eu não ia para a escola, porque sabia que caminhar por aqueles corredores, com todos os olhares recaídos sobre mim, iria me destruir ainda mais, se isso fosse possível. Uma semana que eu carregava um coração destroçado e a profunda falta de Felipe perto de mim, com seus sorrisos reconfortantes e olhos mágicos.

Uma semana vendo o homem diante de mim respirar por aparelhos.

Meu pai.

Ele tinha ido para uma pequena cidade no interior, a algumas horas de carro de onde morávamos, e passado dias trancado em um quarto de um hotel de luxo, esvaziando garrafas de whisky. Eu sabia que aquela mesma cidadezinha havia sido o plano de fundo da lua de mel dos meus pais, o que tornava o local carregado de memórias dos bons momentos que tinham vivido. Tinha a vaga lembrança deles me mostrando as fotos do casamento de da viagem que se seguiu.

Segundo o que os paramédicos haviam me contado, meu pai tinha saído para passear nas tranquilas ruas, parado para beber em um turístico bar que fornecia uma bela vista da cidade como um todo e, somente então, sofrido o acidente. Ele sofrera uma parada cardíaca no local e o tempo que esperou pelo socorro foi o suficiente para que houvesse uma interrupção prolongada de sangue em seu cérebro e o fizesse entrar em coma.

Em coma!

Sentado na cadeira ao lado da cama de hospital, observei-o, com o cabelo bagunçado, a barba mal feita e o pulmão subindo e descendo graças a aparelhos. Não havia mais nada ali que me lembrasse o pai que brincava comigo, que lia até eu adormecer e que me ensinava os truques para passar de fase nos jogos de video game. Aquele homem havia partido e restava somente uma sombra, esta debilitada e prestes a desaparecer também.

Já eu, sentia uma mistura incompreensível de raiva, tristeza e desespero. Tudo havia se tornado caótico de uma hora para a outra e eu não me sentia capaz de lidar com essa situação, o que me deixava enraivecido. A tristeza, essa, vinha de todos os lugares e de lugar nenhum. As paredes brancas do hospital, minhas companheiras naquela longa semana, refletiam as profundezas da minha alma: sem cor, pálida, perdida. A dúvida e o medo eram tamanhos que eu me sentia sufocado, desesperado, estraçalhado, sem ter ideia de qual deveria ser o próximo passo.

O simples pensamento de também perder meu pai me devastava. Vê-lo sobre aquela cama, vivo somente com a ajuda de aparelhos, me fez perceber o quanto a vida é curta e frágil, tão frágil quanto uma pétala de rosa em uma tempestade. Tudo poderia mudar de uma hora para a outra e então sua vida estaria no fim e, em sua memória, o que você carregaria seriam sonhos inconcluídos e frias mentiras sobre si mesmo.

Quem eu era? Quem eu seria e para onde iria? Perdido, saí do quarto e me joguei em um dos bancos de espera do corredor, afundando o rosto entre os braços e chorando.

Mesmo com a falta de carinho, a ausência e a incompreensão, meu pai era a última parte de família que restava. Eu tinha perdido minha mãe cedo demais, não tinha irmãos nem avós e a única pessoa que tinha aprendido a me amar agora me odiava. Estava sozinho e desamparado, perdido em um labirinto onde o único som ouvido era o da minha própria voz e meus gritos eram mudos.

Como não te amar?Onde as histórias ganham vida. Descobre agora