É o quase que nos faz sonhar

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"O meu coração era um oceano, você nadou contra a maré."

The Pogues.

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Améllia Howtwel

Durante muito, muito tempo, travei uma briga com o espelho e só conseguia enxergar as partezinhas ruins que me compõem. Me achei horrível e desnecessária e completamente insuficiente. E durante esse tempo também, fiz cosplay de um camaleão e fiquei mudando de cor para me encaixar nas pessoas da minha vida. Se moldar para caber em um lugar só porque amamos alguém é o pior homicídio qualificado que podemos cometer ao amor próprio. Hoje ainda não posso cantar aquela do Ultraje e dizer que eu me amo cem por cento, mas posso dizer que estou chegando lá, aos poucos, no meu tempo. O amor próprio é um processo gradual. 

A mulher que eu quero me tornar respeita os seus limites, consegue se sentir bonita sem maquiagem e sabe a hora de ir embora. A mulher que eu quero ser é forte, elegante e se impõe apesar da introversão. A mulher que eu sou é determinada, tenta não ter medo do ridículo e dança como se ninguém estivesse olhando. A mulher que eu serei é a junção de tudo isso, e ainda assim em constante evolução.

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Escrevo isso no meu caderninho com capa preta de textos. A verdade é que toda essa coisa com o Gian tem sido incrível. Uma aventura literalmente. O lance todo é que  como já mencionei sou totalmente contra a criar raízes, ficar fixo em um lugar always, e ele bem... é o oposto. Ele cresceu em Turim, é apaixonado pela cidade, pela música, bares, restaurantes. A família dele está aqui. Seus amigos de infância, ex namoradas, o trabalho misterioso, suas melhores memórias. Eu sou do mundo. Gosto da ideia de ser livre, de conhecer novos lugares, novas culturas, bem naipe Comer, Rezar e Amar, eu sei. Mas me sufoca a ideia de viver em um lugar só. Ser totalmente nômade é a minha arte preferida.  Dizem que só nos sentimos desse jeito uma vez na vida. Chamam de conexão atemporal, coisa de filme. Eu odeio me prender à rótulos banais. Mas entre chamar de sorte e destino, prefiro conexão. Antes que eu pudesse concluir esse raciocínio, o telefone toca.

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 Gian Carbone

Dizer como me sentia não era algo que estava nos planos, mas aconteceu. A frase estampada no outdoor da Via Domo dizia: "Talvez só tenhamos o agora para dizer como realmente nos sentimos", e eu, um impulsivo nato não pensei duas vezes.

— Muito tarde? — Ela diz, e solta uma risada curta. Nunca iniciamos uma conversa com "oi", "olá" ou "eai". 

— Eu meio que estava pensando em você. — digo sem hesitar, pela primeira vez.

— Ah, é? O que exatamente? 

— Eu só... percebi uma coisa hoje. — pude ouvir sua respiração no fundo — Hoje percebi que gosto do enredo que escrevemos, da liberdade que criamos. Gosto de me explicar e te explicar pro mundo, mesmo que ninguém entenda. Gosto de não fazer sentido com você, gosto do fato de sermos incógnitas e gosto principalmente do seu abraço. Eu não sei exatamente quando tudo começou a mudar, só sei que teve a ver com você. É difícil explicar o modo como algumas conexões parecem ser predestinadas, é como se nossos planetas estivessem colidindo. E essa coisa de destino é uma grande piada, eu sei. Mas também sei que nunca fui tão sincero com outra pessoa, sei que pela primeira vez consegui ser apenas eu, com defeitos, paranoias e o pacote completo.

Outro ladoWhere stories live. Discover now