o pai

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Entrei no autocarro branco. Sem pensar duas vezes, sento-me no meu banco e pouso a cabeça na janela, como sempre faço, olhando para o exterior. Está-se a tornar um hábito, e não me importo. É algo que realmente aprecio e acho que pelo menos esse prazer devo ter.

Hoje é terça-feira. O fim de semana foi agitado. Na verdade, agitado é apenas um eufemismo. A minha casa estava um autêntico caos. 

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Gritos meus e da minha mãe são ouvidos. A minha mãe agarra-me como se a minha vida dependesse disso. E depende.

Vidros são partidos e grito mais alto. A casa está a ser completamente destruída e nem eu nem a minha mãe conseguimos pará-lo.

É assustador. Isto costuma acontecer às vezes, mas ele tenta controlar-se. Desta vez, ele não está a dar a mínima para o que está a fazer.

Uma cadeira cai ao chão devido ao empurrão dele. O estrondo faz-se ouvir por toda a casa, e me pergunto como é que os vizinhos não conseguem ouvir isto. Talvez já saibam do que ele é capaz, talvez já estejam cansados deste repetitivo reality show rasca, ou talvez não queriam saber.

Ele aproxima-se de mim e da minha mãe e agarra-me com força, com muita força, esquecendo que talvez esteja a magoar-me. Eu apenas quero que ele pare. Quero que ele pare de me puxar pela manga da minha camisola, quase rasgando a mesma. Quero que ele pare de gritar nos meus ouvidos os insultos infinitos, que fazem eco na minha mente. Por breves instantes quero que ele saia daqui, saia da minha vida, quero que pare para sempre.

Na sua mão encontra-se um objeto que não consigo identificar claramente. Ele para de me puxar, estou longe da minha mãe e só quero chorar, mas não posso, porque a sua mão é levantada e, segundos depois, sinto a minha bochecha direita latejar fortemente. Caio instantaneamente no chão, sem forças.

A última coisa que me lembro é de pensar que o meu próprio pai me bateu.

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Levo as mãos à cabeça ao pensar deste episódio. O médico disse que era melhor não pensar em coisas muito emotivas.

Claro que ele apenas sabe uma história inventada do que aconteceu. Ele pensa que eu cai e bati com a cabeça. E talvez seja melhor assim.

Por isso, faltei ontem. Estive no hospital. Mas a minha mãe achou melhor que eu volta-se à minha "rotina" normal.

Deixo de olhar os passeios incrivelmente vazios da rua, para olhar em redor deste autocarro. O autocarro não é muito grande, mas cabe aqui muita gente.

Está um casal de namorados perto de mim. Eles parecem distantes um do outro. Ambos têm telemóveis na mão. Sei que são namorados pelo facto de estarem de mãos dadas. Mas de resto, podiam ser dois estranhos um para o outro.

Mesmo à minha frente encontra-se uma mãe a dar a mão a um filho. O olhar carinhoso da mulher para o filho faz-me lembrar da minha mãe. Sorrio com a lembrança da minha mãe.

A minha pobre e doce mãe.

Olho em redor, de novo, afastando o pensamento da minha mãe. Apenas observo todas as outras pessoa, presas no mesmo autocarro que eu, sem qualquer objetivo de observar uma pessoa em particular.

Mas, de repente, o meu olhar para num rapaz, tornando o meu objetivo difícil. Os seus olhos atrevidos lançam-se para mim. Os seus lábios estão formados num sorriso delicado e cauteloso, se isso é realmente possível.

Desvio logo o olhar. Eu conheço este olhar de algum lugar. Estes olhos... eu tenho de confirmar outra vez.

Volto a olhar. Ele ainda me olha com o mesmo olhar e o mesmo sorriso. Prendo o olhar durante um tempo, tentado desafiá-lo para que pare de me encarar, mas volto a desviar ao perceber que falhei redondamente. O que se passa comigo?

Olho pela janela, distraindo-me. O olhar familiar relembra-me da passada sexta-feira. É daí que o conheço. Eu viu-o na sexta-feira. Neste mesmo autocarro branco.

Mordo o lábio, mas sem me magoar, sorrindo ligeiramente, confusa. O desejo de olhar para ele, para verificar se ainda me olha é enorme, mas não quero que me interprete mal. Relembro mais uma vez os seus olhos brilhantes castanhos e não consigo evitar olhar na sua direção de novo.  

Surpreendo-me quando percebo que ele ainda me olha, mas o seu sorriso já não é o mesmo. Ele olha-me, agora, com admiração e eu pergunto-me se estará mesmo a olhar para mim ou é apenas um truque da minha imaginação. Perco o meu sorriso.  

Olho para trás de mim para ter a certeza se é mesmo para mim que ele olha. Atrás de mim não se encontra ninguém tal como eu suspeitava, fazendo com que o meu sorriso volte a parecer no meu rosto.

Viro o pescoço outra vez para a frente, mesmo a tempo de apanhá-lo a rir-se, com a sua cabeça para trás e os seus olhos semicerrados. Um sorriso aberto e branco aparece assim que se acalma.

Eu sorrio, assistindo ao belo espetáculo. A verdade é que não sei exatamente o que está aqui a acontecer, mas nem me questiono sobre isso quando a única coisa que sinto é normalidade.

E desvio o olhar outra vez, com a intenção de não voltar a olhar para ele.

A minha paragem está a chegar. Ainda estou a sorrir olhando pela janela. Tudo lá fora parece mais colorido e com mais vida. Parece, e é, estúpido apenas um olhar e um sorriso fazer isto comigo. Não sei como isto me está a acontecer. Mas só sei que com apenas isso, com um pequeno gesto ele conseguiu colorir o meu dia.

Levanto-me ainda antes de o autocarro parar e dirijo-me para as portas da frente. Não quero correr o risco de voltar a olhar para ele. É tentador, mas ele pode pensar coisas erradas. No entanto, ele olha para mim também, o que só de pensar faz-me corar, mas sinto que não devo voltar a observá-lo por hoje.

O autocarro branco para. O som dos travões dos pneus é quase que ensurdecedor. Saio rapidamente do veículo.

Quando me volto para ver o autocarro partir, vejo o seu rosto, colado à janela, ainda a olhar para mim.

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Bonjour!!!1

Então eles olharam um para o outro.. YEEEEIIII

Ya é isso........

Acho que este é o maior capitulo que já fiz até agora, mas também ainda não fiz muitos capítulos por isso....

E queria dedicar este capitulo muito especial à linda e querida bf maravilhosa @FilipaGabriel LOVE YAAAAAA

Bom, era só isso...

BabyPopcorn xx

The White Bus |l.p|Where stories live. Discover now