Faísca da Esperança

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              "Não parece certo alguém
                          Que tem asas ser colocado
                         Dentro de uma caixa sem ver
                        A luz do sol brilhar"
-Liberdade, P. A.

A oportunidade de saber o que acontecia com Yesubai veio no dia seguinte.

Eu estava nervosa dentro do carro com Ren, tentando não morrer de nervosismo e provocando nervosismo nele também. 

-Vai dar tudo certo, meu bem. - Ren me garantiu, beijando com ternura minha mão e sorrindo.
Momentos depois, estávamos na sala de Lokesh, tudo passando como um borrão para mim.

- É uma honra recebê-los em minha humilde casa, Dhiren e Kelsey.

Humilde. Aquela casa era do tamanho de um estádio. 

- Vim entregar alguns papéis que meu pai não pôde lhe entregar. Ele infelizmente pegou um resfriado. - Era uma mentira, Rajaram estava em perfeita saúde em casa, mas Ren insistiu tanto em entregar os papéis que ele cedeu.
- Ah, que pena, Dhiren. Eu prezo muito pela companhia de seu pai. - afirmou Lokesh, a expressão de "compaixão" estava me dando medo. - Gostariam de uma xícara de café ou talvez chá? 
- Eu estou bem. E você, iadala?
- Estou bem. Senhor Lokesh, aonde está Yesubai? Gostaria de vê-la, acho sua companhia bastante agradável. - falei suavemente. 
- Claro, ela está em seu quarto. Vou mandar um empregado chamá-la. Hajari! - Lokesh chamou, e outro homem apareceu rapidamente ao seu lado.
- Senhor?
- Chame Yesubai. Diga que Dhiren e Kelsey estão aqui. As mesmas instruções de sempre, Hajari. - o homem assentiu e subiu as escadas da casa.
- Instruções? - Ren perguntou com interesse.
- Ah, claro. Yesubai é muito cuidadosa com seus véus e sempre quer estar a par de nossas visitas. Eu recebo muitas visitas oficiais, de pessoas públicas e ela sempre quer saber se as vestes são adequadas.
- Cuidadoso da parte dela. - falei suavemente. Só um cego não veria a mentira descarada no rosto de Lokesh.
- É uma das coisas que mais gosto nela. 
- Imagino que sim.
O sorriso que Lokesh deu se assemelhava perfeitamente ao sorriso do gato de Alice no País das Maravilhas.

                     Pov Yesubai
Meu corpo todo doía. Cada parte, cada centímetro.
Eu havia falado com Isha minutos antes e escutado seus choros e soluços após eu lhe contar que Lokesh havia me me batido novamente, pois seus negócios foram por água a baixo na Europa. 
Após minutos divagando sobre diversas coisas, abri a câmera de meu celular e sufoquei um grito. Àquela altura eu já devia estar acostumada com minha aparência quando apanhava, mas nunca consegui. Somente o lugar aonde meus olhos apareciam no véu estavam livres de hematomas, minhas bochechas estavam roxas, minha testa também e se eu baixasse o olhar me depararia com as coxas também roxas. Enquanto olhava para minhas mãos já curadas e com algumas unhas quebradas um toque soou à porta. 
- Entre - sussurrei, sentindo a garganta arranhar levemente.
- Olá. - falou uma mulher com os cabelos loiro-escuros aparecendo no vão da porta. - Eu vi a empregada vindo trazer seus remédios e resolvi eu mesma lhe dar.
- Obrigada.- falei suavemente. 
- São todos pra dor? - Ela falou indicando a caixinha de remédios.
- Sim.
- Eu...eu sinto muito. Não queria que fosse assim. Ele... Ele...Eu...
- Você não deve sentir nada, por favor. Você pode sair daqui quando quiser, mas escolhe voltar, o porquê eu já sei. Mas eu ficarei aqui até o homem que você dorme decidir me espancar até a morte.
- Isso não é minha culpa! Seu pai, ele...
- Não é mesmo.
- Kate, saia daqui. - escutei a voz de Hajari soar à porta. 
- Hajari? O que você...
- Saia.
- Mas eu...
- Saia! - Hajari gritou. 
- Me desculpe, Yesubai. - Kate sussurrou, mas eu somente a encarei. Desistindo de esperar que eu falasse algo, ela saiu.
- Conversar com prostitutas não vai aliviar sua dor. 
- Não vou mais conversar com ela.
- Não me interessa. Seu pai quer que você desça. Se arrume, vocês têm visita, ponha um véu que cubra tudo isso, e tome seus remédios. 
- Quem está aí? 
- Dhiren Rajaram e aquela namoradinha dele.

Eu tinha certeza que todo o sangue de meu rosto tinha se esvaido naquele momento.

(...)

- Pai, o senhor chamou?
- Ah, aí está ela, a minha princesa! - ele falou, encenando novamente o melhor pai do mundo. - Kelsey e Dhiren queriam vê-la. 
- Olá Yesubai. Como você está? - Kelsey me perguntou, tocando minhas mãos suavemente. 
- Estou bem. E a senhorita?
- Estou ótima. Sabe, Yesubai, eu gostaria que você me mostrasse seu guarda-roupa. Eu estou com vontade de comprar uns sáris.
- E-eu... - entrei um pouco em pânico e olhei pra Lokesh em busca de ajuda, ironicamente. Ele apenas me olhou calmo como sempre e falou:
- Leve-a, Yesubai. Se senhorita Kelsey quer, a leve. Irei falar de negócios com Dhiren agora.
- Como quiser, meu pai.

[...]

- E esta aqui comprei em Mumbai, a seda vem direto da China e...
- Yesubai, percebi que você está mancando. Ele bateu em você?!
- Ele... senhorita Kelsey, só fique longe. Ele vai machucar você, vai machucar todos se me ajudar. 
-Eu preciso te ajudar! Ah caramba! Sente-se, deve estar doendo ficar em pé. - Kelsey falou baixinho, me conduzindo até a cama. 
- Você não pode ficar assim, Yesubai, isso vai matar você. - Kelsey falou passando a mão por meu cabelo- Tire o véu, Yesubai.
Obediente e com as mãos trêmulas, retirei o véu e observei o rosto de Kelsey ficar pálido e ela levar as mãos à boca, e em seguida chorar.
- Não chore, senhorita Kelsey, por favor.
- Vamos tirar você daqui. Eu vou tirar você daqui. Não podemos deixar isso acontecer novamente.
- Você não entende. Ele vai matar Isha, vai matar você, todo mundo. - falei já fungando, sentindo as lágrimas descerem.
- Quem é Isha? 
- Minha babá. Ela está na Índia, sempre cuidou de mim tão bem, como uma filha. Lokesh disse que vai matá-la se eu fugir.
- Vamos dar um jeito, só espere.
- Mas senhorita Kelsey...
- Nada de senhorita, me chame só de Kelsey. Eu vou tirá -la daqui, Yesubai, vamos proteger todos e fazer esse monstro pagar por tudo que fez. Ou você não quer sair daqui? 
- Eu já vi que discordar de você não vai adiantar. E sim, eu quero mais do que tudo sair daqui. Desde que me lembro minha vida têm sido assim. Kelsey, sabe quantas vezes eu saí daqui sem ser pra algum compromisso de meu pai? Sem ter de ser um troféu pra ele? Eu nunca pude sequer tocar as flores que há nos jardins do Oregon ou em qualquer outro lugar. Nunca pude me divertir. Mal vejo a luz do sol antes de ser empurrada pra dentro de um carro. Me sinto dentro de um cubículo.
- Não me parece certo alguém que tem asas ser colocado dentro de uma caixa sem ver a luz do sol brilhar.
-Minhas asas já foram cortadas há muito tempo. - Comentei com amargura.
- Não, Yesubai, não foram. Vamos te tirar daqui e fazê-la voar novamente. Agora vamos secar nossos rostos e descer. Quero que você disfarce, Yesubai. Mesmo que eu queira, não podemos sair correndo daqui, temos que planejar tudo para que ninguém se machuque. Temos que pegar Lokesh de surpresa, ok?
- Vou tentar senhori... Kelsey. Só não quero que se machuquem por minha causa. 
- Não vamos.
- Eu quero que você leve isso de presente. - falei estendendo uma echarpe indiana azul-escura.
- Obrigada Yesubai, não precisava.
- Se vocês querem salvar minha vida, eu tenho de retribuir. - falei me inclinando para a frente e abraçando Kelsey delicadamente, de modo que não doesse tanto. 
- Viva, flor. Viva e retribuirá da melhor forma. - Kelsey disse com ternura.

                                  Pov Kelsey

- E vocês só me dizem isso agora?!
- Nilima, não surte, por favor. Nós precisávamos ter certeza.
- Eu sei, Ren. Mas é que eu não gosto de ficar de fora das coisas.
- Eu sei que não. - Ren falou abraçando Nilima.
- Eu passei um tempo longe e... Eu só não quero ficar de fora. Mas, além de eu ficar sabendo de Yesubai, o que tenho a ver com isso?
- Você não me disse que seu namorado era empresário e...
- Detetive. - ela falou surpresa sussurrando.
- Isso mesmo.
- Vou falar com ele, Dhiren.
- Nilima, você ainda tem batatas? O Kishan comeu tudo.
- Se você ainda tiver, eu quero mais.
- Vou dar na cara dos dois se acabarem minhas batatas. Estão no armário.
- Obrigada. Vem ou eu vou comer tudo, murkha. - Ana falou andando rapidamente.
- A sutileza da Ana me surpreende. - Kishan falou sorrindo e saiu.
- Vou ligar pra ele.
- Obrigado, Nilima. Agradeça a ele por mim, e me desculpe por Kishan e Ana tentarem acabar com seu apartamento.
- Nada, eu mato eles se o fizerem. Vou pro meu quarto e ligar,  rezem pra ele não estar ocupado. Não fiquem se pegando no meu sofá.

Mesmo que o mundo estivesse desabando, sorri.
Mesmo que o clima tivesse voltado ao normal, eu ainda pensava em Yesubai.
- Vai ficar tudo bem com ela. - Ren falou se aproximando de mim.
- Eu sei. Mas não consigo parar de pensar no quando ela sofreu. - falei me aninhando no abraço de Ren. 
- Meu pai quer fazer uma festa de inauguração de uma nova filial. Seria uma boa pra dar uma analisada no comportamento de Lokesh e tudo mais e pra apresentar o namorado de Nilima.
- Ele se chama "o namorado de Nilima" ou ele tem nome?
- Tem sim. O nome dele é Sunil. Sunil Aaamaal.

Lotus SunriseWhere stories live. Discover now