4.lilly

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Ah, merda

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Ah, merda. Eu dormi com um garoto no vagão do metrô. Não no sentindo adulto do termo. Nós simplesmente dormimos.

Mordendo a unha do polegar, olho por cima do ombro. Do lugar em que estou de cócoras, consigo olhar para Carson Rowan. Ele está dormindo porque provavelmente passou a noite toda cuidando de mim. Porque eu bebi demais e ferrei no sono.

Aquele garoto, com um cabelo engraçado e traços bonitos e raros, ele simplesmente me velou. Como o pequeno príncipe.

― Merda.

Esfrego os olhos, abraçando os joelhos e encarando o metal desgastado da porta. Ele não é o pequeno príncipe. Porque príncipes só existem no Palácio de Buckingham. Eles são esquisitões e arrumam confusões chiques. Além de obrigarem suas esposas a fazerem filhos sem parar e a terem uma vida horrível de mulheres traídas.

Mas saber que Carson não me violentou faz com que eu sorria e eleve o meu ideal de monarquia. Foi a primeira vez que baixei a guarda dessa maneira. Eu poderia estar mergulhada no meu pior pesadelo nesse momento. E estou completamente segura e intocada.

― Ei. ― A voz dele faz com que eu me levante num impulso. ― Você não estava fazendo xixi aí, estava?

― O que?

Eu consigo esconder a vontade de dar risada através da minha falsa indignação. Estamos iluminados pelas luzes escassas do vagão, parados na garagem do metrô. Eu nem sabia que existia uma, até hoje. E mesmo na penumbra, os olhos de Carson parecem límpidos. Acho que é isso que me obriga a sorrir.

― Eu fico agachada para pensar. Isso ― aponto para os meus joelhos ― são meus pontos de equilíbrio. Se eles estão pressionados, o meu cérebro age melhor.

― Você é doida. ― Ele sorri, se endireitando no banco.

― Considerando que desmaiei de bêbada ao lado de um completo estranho. Acho que sim. Então... Eu não costumo fazer isso, ok? Obrigada por ser decente.

― É o mínimo que se espera.

Eu paro no meio do vagão, abraçando uma das barras de metal e encostando o meu rosto nela. Empurro o lábio inferior para fora e suspiro.

― Você acha que eles demoram a colocar o metrô em funcionamento?

Carson confere o relógio no pulso. É algo de marca. Eu reconheceria algo caro de longe. Essas coisas não se parecem nada com os lixos enferrujados que desmancham em nossas mãos. Ele usa uma jaqueta tão grossa que parece ter sido feita com couro das vacas sagradas da Índia – rezo para que esse não seja o caso porque estou vegetariana faz dois anos, desde que o dinheiro parou de ser suficiente para carne. O tênis que ele calça também é de um maldito cara com fundos. Então a minha análise dele está completa. É um garoto rico entediado tentando perder a virgindade com uma prostituta bonitinha para poder se gabar no colégio e conseguir as meninas da alta sociedade com sua falsa experiência.

Ele não é o pequeno príncipe e eu não sou a raposa. Eu sou o que ele quer usar para conseguir algo a mais. Só que... Posso me aproveitar disso.

― Lilly? Você ouviu o que eu disse?

― Desculpa? Ah ― reviro os olhos, me afastando da barra ― eu desliguei. Acontece. Tenho déficit de atenção. Não consigo me concentrar e ajo por impulso o tempo todo. Isso era tão ruim na escola que não consegui seguir adiante.

― Largou a escola? ― Ele parece surpreso quando desabo ao seu lado e confirmo. ― Por causa do déficit de atenção ou para tentar uma carreira na música?

― Os dois. ― Confesso. ― Não deu certo, de qualquer forma. Mas não estava dando na escola, então... Bem, não vai dar certo na música também.

Carson não ri quando eu tento um sorriso. Suas sobrancelhas se unem em confusão. O seu braço, esticado no banco atrás das minhas costas, se encolhe para que sua mão toque o meu cabelo. E, Deus, acho que não recebo um carinho assim há anos. O último foi do pipoqueiro que ficou com pena da única criança da escola sem uma moeda para um saco de pipoca. Há seis anos.

― Eu sou um apostador, sabia? ― Ele brinca. ― Geralmente faço ótimas apostas. E estou apostando que você vai fazer muito sucesso ainda, Lilly Avra.

É patético o quanto sou volúvel. O garoto estranho diz uma coisa bonitinha e eu me inclino para ele, literalmente e metaforicamente. É fofo quando ele prende a respiração antes que minha boca toque a sua. Me dá a consciência de que eu o deixo nervoso. Beijo os seus lábios devagar para que ele me deixe entrar. A mão dele apoia o meu rosto de um jeito delicado assim que a minha língua escorrega por entre seus dentes.

Que se dane, eu quero dar uns amassos com ele ali mesmo. O destino escolhe por mim, no entanto. O vagão começa a se mover antes que eu possa sentar no colo dele. Nossos lábios se separam em um suspiro de frustração da minha garganta, então olho para a luz do dia assim que saímos do túnel e antes de entrarmos em outro.

― Por que você estava numa festa de perdedores, Carson? Você não parece um.

― Não era como se eu tivesse muito o que fazer. Você quer saber sobre mim, agora? Ontem você implorou para que eu não dissesse nada.

― Você já me cativou, não é? ― Eu jogo meu cabelo para trás, puxando um joelho para cima. ― Então sim.

― Eu moro com o meu pai e o meu irmão... Mais novo. ― Carson coça a garganta. ― O meu pai não se importa muito com datas comemorativas desde que minha mãe morreu.

― Sinto muito. Sei como é crescer sem mãe. A minha está viva. Mas ela me deixou para trás com essa família de imbecis. E foi viver de música lírica na Itália. Apagou completamente o passado. As vezes eu penso se teria sido melhor que ela tivesse morrido. Todo mundo meio que age como se ela estivesse enterrada. Só que a expectativa continua viva aqui dentro. Doendo por ter a certeza de que ela está viva longe de nós.

Carson acaricia o meu pescoço e a linha do meu maxilar. Meus olhos se fecham automaticamente e sorrio. Não quero que ele sinta pena de mim, mas lá estou eu com meu discurso de autopiedade.

― Você tem planos para hoje? ― Ele pergunta.

― Não.

Na verdade, ia tentar encontrar Tom, meu namorado. Mesmo ele tendo me dito que passaria o almoço de natal com a família e não poderíamos nos ver. Eu pensei que poderia ficar esperando por ele no corredor do apartamento. Talvez ganhar algumas sobras natalinas. Omito tudo isso e encaro Carson com intensidade.

― Você não quer ir até a minha casa e almoçar com a gente? Comigo e eu irmão, claro. Nós sempre fazemos o almoço de natal, mesmo que o nosso pai não esteja.

― Você acha que seria uma boa ideia?

Ele não responde. Seus olhos baixam para a minha mão até a sua alcançá-la. Mordo o lábio, sorrindo para ele assim que Carson ergue os olhos na minha direção novamente.

Eu vou tirar a minha barriga da miséria!

― Feliz natal, Carson Rowan. E muito obrigada!

 E muito obrigada!

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GORGEOUS | Spin-off ✓Where stories live. Discover now