XCVIII. Controle

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Lothar mal pôde perceber quando tudo começou a desmoronar.

Ele não sabia onde ou quando tinha começado, mas em poucos minutos, a batalha que seguia praticamente o mesmo ritmo dos dias anteriores agora se transformara numa completa bagunça onde era difícil entender até mesmo para que lado estava a Floresta.

Enquanto tentava se acostumar à nova realidade da batalha, ele trocou olhares rápidos com Biattra, que lutava a poucos metros de onde estava. Sua companheira fez que sim com a cabeça, mostrando que não só compreendia sua decisão, como a apoiava. Havia desespero no olhar da bela mulher, o que somente motivou ainda mais a corrida acelerada de Lothar em direção às árvores.

Precisava de tempo para recitar seus encantamentos e podia apenas torcer para que os amigos conseguissem segurar os elfos por tempo o suficiente para que o fizesse.

Ao buscar em seus equipamentos, em meio à montoeira de equipamentos e coisas inúteis que se tornara sua barraca, Lothar sentiu seu coração se acelerar ao não encontrar o Livro. Por um segundo, parou para refletir se tinha levado o artefato à linha de frente, mas tinha toda a certeza de que não. Biattra e Solar nunca o teriam pego sem avisar e nenhum dos outros humanos tinha conhecimento daquela carga preciosa.

Fez uma última vistoria pela barraca, esvaziando o lugar e largando todas as tralhas no chão ao redor do que horas atrás fora uma fogueira, apenas para ver-se encarando novamente o nada em busca de ideias. Seu pensamento, então, foi imediatamente às bruxas e fadas. Se alguém tivesse roubado — ou recuperado — o livro, todas as esperanças tinham morrido naquele momento, pensou ele em desespero.

— Ou, talvez... — Falou para si mesmo.

Ele tinha decorado algumas palavras, afinal. Passara noites inteiras treinando e aprendendo a controlar aquele poder. Era o único que tinha se atrevido a experimentar e tentar entender aquilo e era, agora, o único que poderia infligir contra os elfos a mesma dor que estes o tinham feito sentir por tantos anos.

Usaria a mesma voz que eles tinham tirado para destruí-los.

Com um sorriso um tanto macabro, Lothar convenceu a si mesmo de que podia fazer aquilo sem o livro. Sabia como invocar a magia no momento da morte de seu inimigo. Usaria as palavras, as pedras encantadas dos humanos, e talvez um pouco de sorte, para por um fim àquela batalha de uma vez por todas.

Enquanto caminhava de volta à linha de frente, ouvindo ao longe os sons da batalha caótica que tirava cada vez mais vidas, ele sentia arrependimento por não ter decidido fazer aquilo antes de descobrir o sumiço do livro. Deveria ter ficado com seus amigos e improvisado naquele momento, mas algo o tinha feito correr pra a segurança das palavras de Azar Fura-Coração. "Covardia", ele deu nome àquela atitude.

Decidido a não se render novamente ao medo, Lothar encarou a batalha confusa com a convicção de que compensaria, naquele momento, o fato de que não conseguira decorar os cânticos nos dias anteriores, que não pudera e não tivera força de vontade para agir antes. Não pudera salvar todas aquelas vidas que tinham se perdido.

Com a espada numa mão e o escudo na outra, ele pôs as pedras na sacola que carregava presa em seu cinto e retornou à luta, cortando e estocando, tentando proteger seus amigos — Biattra e Solar lutavam um ao lado do outro, de costas para um carvalho gigantesco — enquanto procurava por um elfo moribundo que pudesse usar como experimento.

Quando finalmente conseguiu se aproximar dos dois, já com a respiração acelerada dos rápidos e intensos momentos de combate, ele ajudou Biattra a derrubar o elfo que a encarava e imediatamente se ajoelhou ao lado deste para extrair as últimas forças que sua alma moribunda e podre podia oferecer.

Fura-Coração (COMPLETO - EM REVISÃO)Où les histoires vivent. Découvrez maintenant